As uniões homoafetivas e o preconceito.



“Deram me uma medalha por matar dois homens e uma expulsão por amar outro”. Esta frase, que ficou celebrizada, é de um soldado norte-americano justificando a sua expulsão das forças armadas pela “desonra” de haver declarado ser homossexual, após condecoração por bravura, na Guerra do Vietnã, nos anos 1970.

Nos Estados Unidos este cenário, de absurdo preconceito, começou a mudar quando John Geddes Lawrence, um homem de 60 anos e, seu parceiro sexual, Garner, de 36, foram flagrados, mediante denúncia anônima, desvinculada ao fato, praticando sexo no apartamento de Lawrence, em Houston, no dia 17 de setembro de 1988.

Lawrence e Garner foram presos e acusados de violação à Lei de Sodomia do Texas. A lei proibia a prática de sexo anal e oral entre pessoas do mesmo sexo. Cada um dos acusados pagou US$ 125 dólares de fiança para responder ao processo em liberdade. Ambos apresentaram defesa em juízo, mas restaram condenados por praticarem “sexo desviante”. A Corte de Apelação do Texas, após interposição de recurso pelos condenados, decidiu, por 7 a 2, que a Lei de Sodomia era constitucional.

A Suprema Corte dos Estados Unidos, no ano de 2002, após novo recurso, apreciou o caso em caráter definitivo. No leading case Lawrence Vs Texas [539 U.S.. 558 (2003)], a Suprema Corte anulou a lei que criminalizava a sodomia no Estado do Texas.. A Corte alterou, assim, a jurisprudência anterior que havia ratificado a Lei de Sodomia do Estado da Geórgia, no leading case Bowers Vs Hardwick, no ano de 1986, reconhecendo a autonomia dos Estados para legislar neste tipo de matéria.

A nova decisão foi no sentido de que a Lei de Sodomia do Texas violava a 14ª Emenda da Constituição Americana quando previa que o sexo praticado entre pessoas do mesmo sexo era ilegal e, também, por desrespeitar à intimidade e a prática sexual consensual.

No Brasil a proteção das pessoas contra discriminações, em virtude da orientação sexual, resultou garantida, definitivamente, em decisão histórica e acertada do STF, nos autos da ADPF 132 e ADI 142, no ano de 2011. Foi reconhecida a vedação ao preconceito e o direito à preferência sexual como emanações diretas do princípio da dignidade da pessoa humana e dos objetivos da República Federativa do Brasil, previstos no art. 3º da CF, que visam promover o bem de todos, sem preconceitos e quaisquer outras formas de discriminação.

O STF declarou a interpretação do art. 1723 do Código Civil, conforme à Constituição, para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.. Todas as regras e consequências jurídicas das uniões heteroafetivas, por tanto, estão garantidas para as uniões homoafetivas.

Em suma, já era hora de nosso Estado, laico, combater à discriminação, o preconceito e à intolerância. Nada mais justo do que reconhecer as uniões homoafetivas como fatos sociais, geradores de consequências jurídicas lícitas e merecedoras de proteção constitucional. O Poder Judiciário brasileiro, com esta decisão, deu um passo importante para que se possa garantir o pleno desenvolvimento humano para todo e qualquer cidadão independentemente de sua orientação sexual.

Gabriel Wedy, Juiz Federal, Ex-Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil [AJUFE] e da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul [AJUFERGS].



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