Breves considerações sobre uma igreja perdida no bosque.



“Mil dólares não são mais o que costumavam ser.” Eis algo que os americanos mais rodados, de qualquer classe social, vivem repetindo. Tive esta experiência da maneira mais concreta possível em uma recente estada de três dias na Noruega: os dólares que eu tinha no bolso comportaram-se tal qual bolívares da república do Evo Morales, ou guaranis da nação paraguaia. Até um casal de ingleses que encontramos queixava-se de que suas libras não valiam nada. O longilíneo país nórdico têm segurança e beleza proporcionais aos preços e aos índices pluviométricos, não é à toa que a antiga capital Bergen recebeu o título de cidade mais chuvosa da Europa. Clima à parte, os fiordes constituem uma imagem única, paredões gigantescos entrecortados por cachoeiras caudalosas.

Choveu também sobre a minha infância. Desde pequeno, nutro uma certa atração pela mitologia da Escandinávia. Em meus sonhos infantis imaginava barcos vikings navegando por fiordes profundos, a luz do entardecer refletindo a cabeça de dragão que adornava a proa. Não vi o sol da meia-noite, nem mesmo o do meio-dia, mas a névoa espessa deixou entrever, muito mais do que cinqüenta tons de cinza, uma paisagem completamente distinta da que temos por aqui, uma visão quase mágica.

Viajar é aprender. Descobri que os elmos vikings dotados de chifres não passam de uma criação da ópera européia do século XIX. É aquele velho costume: quando a lenda é maior que a história, esquece-se a história e fica-se com a lenda. Na verdade, o verdadeiro elmo viking é uma peça elegante, quase um objeto de design. Os bárbaros da Escandinávia matavam e saqueavam , mas pelo menos tinham bom gosto...

E por falar em bárbaros, tão logo aterrissei vi que as barbaridades em Porto Alegre prosseguem. Escolho uma para comentar, deixando de lado as obras que se arrastam sem prazo de término, árvores que caem movidas pelo desleixo, os assaltos que ocorrem a qualquer hora e em qualquer lugar. No centro e em vários bairros, pagamos preços noruegueses ( vinte e tantos reais por pouco mais de duas horas) por estacionamentos de Botsuana, em vagas improvisadas, sem teto e com pisos repletos de buracos. Em um deles, vi uma placa: PIS 1,65%; COFINS: 7,6%. Estaria tudo muito bem, dentro da norma que preconiza a publicidade sobre os impostos incidentes nos preços, só que estas alíquotas são aplicáveis apenas para grandes empresas que tributam o Imposto de Renda pelo lucro real, com o objetivo de deduzir da base de cálculo vários créditos compensáveis. Aquele pequeno e mal-ajambrado estacionamento não parece, em absoluto, enquadrar-se nesta situação. Pretender um ganho estratosférico até pode ser aceitável na lógica da Lei da Oferta e Procura, mas não precisam atochar deste jeito para a população, querendo justificar o injustificável preço através de tributos que na verdade não suportam. A carga tributária é elevada demais, isso ninguém discute, o problema é que poucos discutem também a pornográfica margem de lucro de alguns setores.

O espaço está acabando, e ainda não teci as breves considerações de que fala o título deste artigo. Aí vai: no nosso último dia em Bergen, eu e minha esposa nos enveredamos por um bosque em busca de uma igrejinha católica do ano mil e poucos, jóia do sincretismo religioso, repleta de referências a dragões e trolls. A trilha era escura e deserta, mas tudo bem, estávamos na Escandinávia. No final, divisamos a tal igreja e a moça bonita que cobrava os ingressos, já que o local agora é um museu. Estava com uma maleta abarrotada de dinheiro. “Houve muitas excursões hoje”, ela explicou, temendo apenas pelo desconforto de carregá-la, trilha acima, quando a atração fechasse. Depois da visita, deixamos a moça bonita tal qual estava, sozinha com sua pequena mala de dinheiro no meio do bosque, e enveredamos de novo pelo caminho ainda mais escuro e ainda mais deserto, pensando nos tempos pré-civilização e em nosso retorno ao Brasil.

Marcel Citro de Azevedo é juiz federal e diretor cultural da AJUFERGS.



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