Liberdade e Justiça Social



No debate político e ideológico sobre as funções do Estado os valores da liberdade e da justiça social são freqüentemente apresentados como incompatíveis.

Em Friedrich Hayek, nota- se a preocupação com a liberdade individual. Em sua obra, desfia argumentos no afã de demonstrar que a justiça social não é realizável sem que a sociedade assuma um dever moral de se submeter a um poder capaz de coordenar os esforços dos seus membros com o objetivo de atingir determinado padrão de distribuição considerado justo, o que só seria possível em regimes totalitários.

Sustenta que tal submissão não atenderia ao verdadeiro sentido de justiça e afrontaria a liberdade individual.

Hayek é considerado o pai do neoliberalismo. É seu o trabalho teórico tido como seminal em relação a esse renascimento liberal, O caminho da servidão.

Do ponto de vista da sua fundamentação doutrinária, o neoliberalismo não difere muito do liberalismo clássico, formulado basicamente nos séculos XVIII e XIX. O individualismo exacerbado; o apego desmedido às liberdades individuais, sobretudo às econômicas, com destaque para o princípio da inviolabilidade da propriedade privada; a aversão a um tipo específico de igualdade, substantiva e não apenas formal ou jurídica, ainda que relativa, deliberadamente produzida por determinada intervenção estatal; a apologia a uma ordem de intensa competição social, baseada numa suposta livre concorrência em um mercado igualmente livre; a visão do Estado como um “mal necessário”, donde a decorrência lógica é o ideal do Estado mínimo; a recusa à política enquanto possível contraponto a uma suposta racionalidade econômica superior.

É, contudo, no exame da sua própria representatividade histórica que o neoliberalismo ganha especial sentido. Pois o seu surgimento simbolizou uma aguda reação ideológica contra certos mecanismos da intervenção estatal prevalecentes no século XX, sobretudo após a Segunda Grande Guerra, destinados a promover o planejamento da economia e alguma homogeneização nas sociedades nacionais do chamado capitalismo avançado, basicamente pela implementação progressiva de direitos sociais e coletivos. Representou, assim, fenômeno verdadeiramente distinto do liberalismo clássico. De fato, foi um renascimento do pensamento liberal, só que com uma maior sofisticação teórica formal e, sobretudo, em um contexto histórico marcadamente diferenciado daquele em que os pensadores clássicos do liberalismo econômico expuseram suas idéias centrais.

Se em Hayek a justiça social ou distributiva não encontra justificação moral, pois corrói o clima em que deve florescer a liberdade individual, em Amartya Sen, autor de Desenvolvimento como liberdade e A idéia de Justiça, a justiça social, desde que voltada ao incremento das capacidades e da autonomia das pessoas, é o fundamento para a liberdade delas levarem um tipo de vida que valorizam.

Para Sen, a expansão da liberdade humana é tanto o principal fim quanto o principal meio do desenvolvimento. O objetivo do desenvolvimento relaciona- se com a avaliação das liberdades reais desfrutadas pelas pessoas. As capacidades individuais dependem, entre outras coisas, de disposições econômicas, sociais e políticas. As instituições estatais só cumprirão suas finalidades se levarem em consideração os papéis instrumentais de tipos distintos de liberdade, o que vai além da importância fundamental da liberdade global dos indivíduos.

Os papéis instrumentais da liberdade incluem vários componentes distintos e inter- relacionados, como facilidades econômicas, liberdades políticas, oportunidades sociais. Correspondendo a múltiplas liberdades inter- relacionadas, existe a necessidade de desenvolver e sustentar uma pluralidade de instituições, como sistemas democráticos, mecanismos legais, estruturas de mercado, provisão de serviços de educação e saúde. Essas instituições podem incorporar iniciativas privadas, políticas públicas e estruturas como organizações não- governamentais e entidades corporativas.

A liberdade individual e a justiça social não são incompatíveis, desde que as pessoas sejam ativamente envolvidas na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm papéis a desempenhar no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas, bases para o exercício da autonomia e da liberdade individual.



Alexandre Gonçalves Lippel
Juiz Federal



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