Conversando a gente se entende



A frase acima, de sabedoria popular, bem revela a importância da comunicação, que é inerente à vida em sociedade. Aqui, me valho da voz do povo para introduzir um tema que deveria ser tranqüilo e até prosaico, mas tem sido, no entanto, motivo de desavenças e discussões, com preocupante freqüência.

Refiro-me ao atendimento de advogados por parte dos magistrados.

Parto do pressuposto óbvio de que a comunicação com os advogados e partes é essencial para a atividade judicial. Se o juiz é um terceiro imparcial, que tem a missão de solucionar conflitos entre partes em conflito, parece evidente que, para o exercício dessa atividade, precisará saber das razões do conflito. Por dever do ofício, então, o juiz precisa saber ouvir, o que implica, necessariamente receber os advogados para que possam eles dizer o que for necessário em favor de seus .

Na nossa tradição – e é difícil escapar dela – geralmente as razões são transmitidas por escrito, através de petições e arrazoados, que recebem respostas também escritas, sob a forma de despachos, sentenças e decisões. Tudo muito lento, muito massificado, e muito frio.

Passo aqui, deliberadamente, ao largo das causas da lentidão da justiça e da massificação e padronização das decisões, problemas que tem múltiplas e complexas causas, e difícil solução. Penso, porém, que ninguém que tenha contato próximo com o sistema judiciário poderá negar sua existência.

Exatamente por conta da lentidão, da massificação e da frieza do papel que surge, às vezes, a necessidade de uma conversa urgente e direta com o juiz, para transmitir aquilo que, embora tenha sido escrito, poderá ser sublinhado, destacado e demonstrado em uma conversa, com todos os recursos que a comunicação oral proporciona. Em outros casos, será a urgência que demanda uma atenção que não pode ser postergada sem prejuízos maiores, se o processo seguir a tramitação normal. Por fim, há ainda situações em que alguma peculiaridade do caso não foi percebida, por estar o processo soterrado em um mar de outros casos, aparentemente semelhantes.

Não colhe, então, o argumento de que não há sentido em receber o advogado, pois o que ele vai dizer já está na petição, e então o juiz vai ler, ou não está, e então não interessa, pois “o que não está nos autos não está no mundo”. Essa é uma visão simplificadora, que ignora não só as muitas sutilezas da comunicação, mas também as falhas que podem ocorrer no andamento de um processo judicial.

Não se pode, tampouco, dizer que o fato de receber uma das partes, no gabinete, sem a presença da contraparte, viola a imparcialidade ou o contraditório, reveladora de uma desconfiança injustificada com o juiz. O que não se admite é o tratamento diferenciado, em favor de uma das partes. Aliás, uma conversa fora do ambiente ritualizado da sala de audiências pode ser muito mais produtiva, por exemplo, para que se alcance um acordo.

Há, também, aqueles que referem demandar o atendimento um tempo demasiado.

Justamente por ser o tempo um bem precioso, para todos, a conversa, que é profissional, poderá e deverá ser conduzida com objetividade, sem rodeios e delongas. O advogado não pretende, ao procurar o Juiz, uma longa charla regada a chá com bolachinhas. Quer ver seu problema resolvido, da forma mais rápida e pronta possível.

Também por isso, convém, quando possível, informar-se sobre a presença do magistrado e a disponibilidade, pois poderá ocorrer de estar ele em audiência, substituindo em outra vara ou no Tribunal, ou por algum motivo justificável impedido de atender naquele exato momento.

Até mesmo do ponto de vista do acesso à justiça e da legitimação do Poder Judiciário coloca-se o atendimento como ato da maior importância. Dentre os agentes públicos, talvez seja o magistrado aquele cujo acesso é o mais facilitado, pois dificilmente o cidadão terá a chance de um contato direto com um parlamentar ou o Chefe do Poder Executivo, em qualquer esfera de governo. De outro lado, como o Juiz não encontra sua legitimação no voto, tem o dever de justificar suas decisões, levando em conta, como já dito, as razões trazidas pelas partes, não só por escrito, mas também no contato direto com os advogados.

Em suma, o atendimento, sempre que possível e necessário, é dever do magistrado e parte de suas atividades, e, de outro lado, direito do advogado e do cidadão a um serviço público rápido e eficaz. Quanto mais facilitado for o acesso ao magistrado e quanto maior o grau de diálogo efetivo na tomada das decisões judiciais, com a atenção efetiva às partes e suas razões, maior será o nível de legitimação do Poder Judiciário. Ao contrário, o isolamento e a dificuldade, fazem lembrar o comunicador que dizia: “Quem não se comunica, se trumbica”.

José Paulo Baltazar Jr.
Juiz Federal 1ª. Vara Criminal de Porto Alegre



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