Justiça pra quê



Esta sendo gerida pelo governo federal medida que pode prejudicar sobremaneira, em futuro próximo, a atividade da Justiça Federal.

Embutido no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, remetido pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, encontra-se o Projeto de Lei Complementar n. 1/2007 que inviabilizará o crescimento da Justiça Federal, em desconformidade ao plano estratégico traçado até o ano de 2016.

Desde a Constituição Federal de 1988 a Justiça Federal tem crescido bastante. Exemplo disso são os projetos que preconizam sua interiorização, cuja intensificação ocorreu na gestão da atual Presidenta do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen Gracie, então na presidência do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. A idéia era aproximar a Justiça Federal do jurisdicionado – ou seja, aquele que ajuíza ou contra quem é ajuizada alguma questão –, na oportunidade sediada, sobretudo, nas capitais estaduais e algumas poucas cidades.

Mesmo apesar desses esforços de expansão, está claro que o número atual de varas e tribunais é insuficiente para o julgamento dos processos em tempo razoável.

Nesse contexto, é natural esperar que prossiga essa ampliação da Justiça Federal, seja pela criação de varas onde inexistentes e necessárias, pela ampliação ou criação de Turmas Recursais (que julgam os recursos contra decisões dos Juizados Especiais Federais) e Tribunais Regionais e pela permanente ampliação do quadro funcional. É lógico que, em sociedades onde habitualmente as controvérsias resultam em ações judiciais, o aumento da população implique a ampliação dos serviços judiciários, de maneira que acompanhe aquele crescimento.

Outros dois fatores, que igualmente indicam a necessidade de difusão da Justiça Federal, não devem ser esquecidos.

Primeiro, para atendimento da chamada demanda reprimida, noutros termos, daquelas parcelas da população que ainda não são atendidas pela Justiça, por encontrarem obstáculos das mais diversas ordens para o acesso judicial. Há localidades nesse imenso Brasil onde pessoas precisam se deslocar centenas ou milhares de quilômetros para chegar à Vara Federal mais próxima.

Segundo, para aprimoramento da prestação jurisdicional, considerados neste ponto apenas duas exigências, necessariamente imbricadas, qualidade e celeridade. Certamente a imensa maioria das decisões proferidas são bem fundamentadas. Mas poderiam ser aprimoradas se os julgadores pudessem dedicar mais tempo ao julgamento das causas. Porém tempo é uma das maiores carências dos magistrados federais. A sociedade clama por decisões mais rápidas, e a excessiva carga de trabalho não permite profundas reflexões. Mais grave é quando o julgador, embora se atendo a decidir de forma mais rápida, ainda assim não consegue fazê-lo em prazo razoável frente ao desmedido número de questões que lhe são submetidas.

O controle dos gastos estatais é medida que se impõe. Aprende-se a duras penas no Brasil que os governos não devem gastar mais do que arrecadam. A contratação despropositada de servidores, prática comum adotada para satisfação de certos currais eleitorais, foi corretamente estancada pela Lei Kandir, que estabeleceu limites para gastos públicos. Se o dinheiro é pouco, pressupõe-se que seja aplicado nas reais necessidades da população.

Todavia algumas particularidades devem ser consideradas, sob pena de inversão dessa lógica. Por exemplo, os limites com gastos de pessoal devem ser distintos entre os Poderes republicanos. Ao Executivo a Constituição Federal atribui o atendimento de necessidades materiais da sociedade (obras públicas, saúde, ensino, etc.), enquanto que, em regra, ao Legislativo e ao Judiciário, respectivamente, a elaboração de leis e o julgamento das controvérsias, ambas as ações carentes de material humano. Ora, se essas atividades se satisfazem com a contratação de pessoal, ao contrário daquelas do Executivo, obviamente os parâmetros genericamente estabelecidos devem ser revistos. De outro lado, predominando a idéia de que essas balizas são adequadas, não é razoável que sejam reexaminadas exatamente para desconsiderar essa realidade dos Poderes.

De qualquer sorte, a população deve estar atenta para a possibilidade de ela própria restar prejudicada. Se, não obstante os inequívocos avanços, a atual situação do Judiciário Federal é criticável, não devemos esquecer que ela pode piorar. Não deixemos que escorram pelo ralo todas as vitórias até então duramente conquistadas.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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