Salvem a Lei de Improbidade



Quando alguma espécie da fauna se encontra em risco de extinção, organismos de proteção da natureza lançam campanhas para salvação do ser vivo ameaçado. Talvez a mais conhecida seja aquela que resultou no bordão, ‘salvem as baleias’.

Embora não se trate de um ser vivo, é bom que seja lançada a campanha ‘salvem a Lei de Improbidade’. Obviamente que a analogia se presta a chamar a atenção do leitor, pelo menos a daqueles que ainda desconhecem a questão. A importância do tema demonstra que não se trata de qualquer ironia. Estamos diante da possibilidade de verdadeiro retrocesso jurídico.

Costumamos criticar nosso ordenamento jurídico sob o argumento de que há muitas leis – e verdadeiramente há – e que, apesar da quantidade, muitas delas não ‘pegam’, ou seja, não são efetivamente observadas na sociedade. No entanto também ocorre fenômeno inverso. Do universo legislativo são colhidas importantes normas, algumas com impressionante conteúdo ético, que acabam ‘pegando’. O problema é que, nesta hipótese, as forças que resultam contrariadas pela sua aplicação tentam fazer de tudo para que não sejam cumpridas.

Um exemplo é o Código de Defesa do Consumidor. As instituições financeiras – leia-se bancos – pretendiam não se submeter às suas disposições. Não levaram. Mas correu-se o risco de não se ver um dos mais adiantados diplomas do mundo aplicado às instituições que mais lucram no país.

Outro exemplo é a Lei de Improbidade, e quanto a essa, risco ainda há, pois está sob exame pelo Supremo Tribunal Federal. O julgamento está suspenso, mas o placar permanece dando larga vantagem em favor de sua morte inanição. Depois de um alerta do Ministro Carlos Veloso, atualmente aposentado, a ficha caiu e parece que alguns votos devem ser reformados.

A Lei de Improbidade estabelece severas punições, de natureza civil, administrativa e política, a quem adota práticas em desfavor da administração pública, desde o mais singelo desvio de finalidade até o enriquecimento ilícito em decorrência de corrupção. Quaisquer agentes públicos estão sujeitos às suas garras. E é muito bom que assim permaneçam, sejam funcionários, magistrados, políticos exercentes de cargos públicos etc.

Problema é que o Supremo deve julgar se a Lei de Improbidade se aplica aos últimos. Não aos compreendidos no etcetera, mas aos políticos. Se o Supremo entender pela inaplicabilidade, então, segundo o Ministro Veloso, mais de quatro mil ações se transformarão em fumaça.

É crível que boa parte dessas ações esteja fadada ao insucesso. Como qualquer outra ação, inclusive criminal. Por outro lado, é autorizado presumir que desse conjunto se consiga afastar um bom número de maus gestores e corruptos. Convenhamos que num país acostumado a acompanhar desvios de patrimônio público, alcançar alguns dos responsáveis constitui avanço considerável.

Diversos argumentos jurídicos podem ser apontados em favor de um ou outro ponto de vista. Todavia não nos enganemos, o que está por trás da defesa intransigente pela não aplicação da Lei de Improbidade aos políticos que acedem a cargos públicos é sua considerável eficácia.

É infundado afirmar que a Lei de Improbidade tem engessado a administração pública. Esta atua vinculada às mais diversas leis. Apenas se desviar-se dessas diretrizes normativas é que estará o agente sujeito às punições. O negócio é parar com o ‘jeitinho’ que beneficia os compadres e tratar de trabalhar em benefício da coletividade.

Também é parcialmente equivocado argumentar que o Ministério Público, que patrocina ações de improbidade, comete abusos. Óbvio que há abusos, os quais ocorrem em qualquer instituição. Então que se puna quem abuse do poder, pois instrumentos para isso existem. Esse patético raciocínio implica o mesmo que proibir a circulação de veículos por conta das mortes no trânsito. Ademais, se uma mão é suficiente para contar os abusos cometidos pelo Ministério Público com relação às ações de improbidade, serão necessárias diversas outras mãos para computar os benefícios pontuais que outras ações, ajuizadas pelo mesmo Ministério Público, resultaram para a sociedade.

As leis são para todos. Como diria aquele famoso político de triste memória, devem ser aplicadas ‘duela a quien duela’. Se doeu no dele, pois teve de permanecer oito anos afastados do cenário, que doa no de todos que usam o patrimônio da coletividade em benefício próprio. Torçamos pela lucidez do Supremo Tribunal Federal.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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