Finalmente um Técnico



É assunto corrente a saída do deputado federal Enio Bacci da Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul. O fato aparece nos meios de comunicação e não raro é objeto de debate nos mais distintos grupos sociais. Procure conversar com seu jornaleiro, um taxista, o porteiro do seu prédio ou com quem quer que seja. Independentemente do assunto tratado, dali a pouco surgirá a questão da mudança.

O mais interessante é que, quase invariavelmente, as pessoas têm lamentado a saída do aludido deputado. Mas haveria realmente alguma coisa para deplorar?

Na ótica da maioria dos formadores de opinião, três aspectos foram salientados para evidenciar a boa, quiçá excelente, gestão do ex-Secretário. Primeiro, o apoio quase incondicional às corporações policiais. Segundo, as consideráveis diminuições, no plano estatístico, de determinados delitos. Terceiro, e principalmente, o aumento do policiamento ostensivo. Entretanto é preciso examinar se essas medidas realmente contribuíram para assegurar o direito do cidadão à segurança.

As corporações policiais gaúchas – Polícia Civil e Brigada Militar – precisam ser prestigiadas. É difícil encontrar alguém que discorde dessa obviedade. No entanto prestígio não importa em assegurar carta branca à atuação dessas instituições. Por melhor intencionadas, devem ter por norte o cumprimento do dever legal, e este não admite eventuais arbitrariedades. As restrições lançadas por organismos de defesa dos direitos humanos revelam, por conseguinte, que esse tipo de política pode resultar em prejuízo ao próprio cidadão.

Nesse contexto, é preciso desmistificar algumas inverdades. Quem é a favor dos direitos humanos não é contrário à atividade policial. Apenas se opõe à atividade policial desmedida e arbitrária. Se alguém é sujeito à reprimenda penal pela prática de um crime que consideramos bárbaro, não podemos erigir o Estado – e o policial não deixa de representá-lo – a essa mesma condição, tratando esse indivíduo barbaramente.

No seu discurso de despedida do cargo de Secretário, o deputado por diversas vezes afirmou que é contra o bandido e a favor do policial. Pois parece não ser novidade que, à exceção de hipóteses de arbitrariedade, é razoável que assim se pense. Problema é definir quem são os bandidos. Como ninguém traz escrito na testa essa palavra, são necessárias algumas providências para identificar quem esteja praticando ou tenha praticado algum crime. E na medida em que essas providências sejam adotadas de forma arbitrária, a partir de então não se distinguirá mais os criminosos dos não criminosos. Daí que o feitiço vira contra o feiticeiro. A atuação policial desregrada pode resultar na violação de direitos de pessoas sem qualquer envolvimento com delitos.

Quanto à suposta diminuição da criminalidade, com base nas estatísticas criminais, há de se convir que é muito cedo para extrair quaisquer conclusões. Não havendo continuidade de análise, não é possível verificar se essas diminuições são apenas circunstanciais ou de fato correspondem à adoção de políticas adequadas. No atual momento, configuram, pois, mero indício neste sentido.

Finalmente a questão do policiamento ostensivo. Pode ser critério para apurar o nível de civilização das sociedades o número de policiais na rua. Quanto menos, mais civilizada, e vice versa. Atualmente muitos especialistas consideram inequívoco que a criminalidade deixou de se situar no mero plano das opções pessoais para se incluir na variada gama dos problemas sociais. Em assim sendo, o policiamento ostensivo apresenta-se como mero mecanismo repressivo e não preventivo, porquanto apenas adia a atividade criminosa ou faz com ela desloque-se para outro local. Enquanto isso, as efetivas causas da criminalidade deixam de ser combatidas. A aparente sensação de segurança apenas retarda o efeito da bomba relógio.

Se esses argumentos estão corretos, não há nada a lastimar com a troca de comando na Secretaria de Segurança Pública. E a par dos fundamentos que os sustentam há outros dois indicativos de que as coisas não iam bem. Primeiro, o puro e singelo afastamento pela Governadora do Estado. Não é possível subestimar sua inteligência para acreditar que tenha posto no lixo um suposto bom trabalho por singelos conflitos egocêntricos. Os dividendos políticos que angariaria com o eventual sucesso da política de segurança seriam maiores que os do próprio ex-Secretário. Segundo, ambos são políticos, não especialistas na área de segurança, qualidade, aliás, ausente pelo simples exercício da advocacia criminal. Como não se coloca um bombeiro a pilotar um avião, parece lógico que a pasta fosse ocupada por um técnico na área. Bastaria seguir o exemplo do Rio de Janeiro, cuja realidade é muito pior que a gaúcha.

Por isso é que a nomeação do Delegado da Polícia Federal José Francisco Mallmann é que deve ser celebrada. Antes tarde do que nunca. Normalmente quem faz previsões termina por se quebrar. Mas não custa arriscar e dizer que não há nada a lamentar. Pelo contrário.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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