Vôos, táxis e dinheiro público



Como referido na coluna passada, logo após o acidente aéreo em São Paulo, em razão do qual morreram vários inocentes, iniciou-se o corre-corre de acusações recíprocas na tentativa de livrar os responsáveis de qualquer imputação.

A empresa aérea acusa o governo. O governo acusa a empresa aérea. Já se cogitou inclusive de acusar o piloto, o qual naturalmente não tem condições de se defender. Só não se atribuiu diretamente a ele a responsabilidade pelo acidente porque, aos olhos da opinião pública, ficaria muito evidente a falta de competência para tratar adequadamente de um problema que assola todos os brasileiros há alguns meses.

Dias desses, após embarcar em um táxi, solicitei ao motorista que me conduzisse ao aeroporto. Em decorrência do destino que tomáramos, já era esperado como assunto o receio de acidentes como o ocorrido com avião da empresa Gol. O condutor mencionou que estava absolutamente despreocupado, pois como não andava de avião, isso era problema de quem tinha dinheiro para esse tipo de transporte. Apresentei a ele a seguinte indagação: “E se por algum motivo o avião atingisse seu táxi ou o prédio onde o senhor reside ou trabalha algum familiar seu?”. Encerramos a discussão com ele, constrangido, admitindo que o problema também é de quem nunca viajou ou viajará de avião.

Apesar do absurdo da minha colocação, tristemente ela se confirmou pelo fato de o acidente em São Paulo ter vitimado pessoas que talvez nunca tivessem embarcado numa aeronave, caso daquelas atingidas em solo. O problema, portanto, não atinge apenas os usuários de serviços aéreos.

Parece ser com esse descaso inicialmente demonstrado pelo motorista de táxi que os responsáveis pelo tráfego aéreo – ou seja, tanto o governo quanto as respectivas empresas – vêm tratando a questão. O governo porque ao considerar que quem anda de avião possivelmente não integra seu eleitorado, e as empresas porque entendem que o pagamento de indenização é suficiente para afogar a dor dos familiares de quem perdeu a vida.

Até poderíamos admitir o amadorismo com que está sendo tratado o problema, desde que os resultados se limitassem há alguns atrasos nos vôos. Mas ainda assim não devemos esquecer que essa inaptidão é patrocinada por numerário público, pelo nosso dinheiro enfim.

O fato de uma das expoentes do governo afirmar que se relaxe e goze com os atrasos, é o mesmo que dizer que o dinheiro recolhido pelo respeitável público aos cofres nacionais está indo para o esgoto. Mesmo destino tem nosso dinheiro que serve para pagar os vencimentos do dirigente máximo da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, ao que tudo indica insciente de quais são exatamente suas atribuições ou mesmo para que se presta o órgão que integra.

Incorre em erro o assessor Marco Aurélio Garcia ao referir que foi violada sua intimidade com a filmagem de seus gestos nada elegantes quando do conhecimento de suposta falha na aeronave acidentada. Alguém deveria alertá-lo que estava no exercício de função paga com dinheiro público, em prédio construído com dinheiro público, assistindo televisão adquirida com dinheiro público e que naquele momento funcionava alimentada por energia elétrica paga com dinheiro público.

Desconfio que essa noção de dinheiro público não é percebida por nossos mandatários. Ou se percebem, acabam deixando para lá. Identificam o dinheiro que sustenta esse amadorismo como aquele provindo dos perfeitos idiotas que exercem esse mesmo papel ao pagarem caro por tarifas referentes a vôos que não lhe asseguram o mínimo de segurança desejável. Imbecis que, ao fim e ao cabo, sustentam o privilégio de algumas poucas empresas de mandar e desmandar no transporte aéreo no palco de uma concorrência de faz-de-conta.

Tudo bem se esse mau gerenciamento do dinheiro público não resultasse na morte de centenas de inocentes. Continuaria tudo na mesma e os papéis reservados aos mesmos de sempre. Vestidos como palhaços continuaríamos assistindo aos arlequins da política brasileira nos empulhando com discursos vazios. Precisou morrer gente para se darem conta que a paciência está terminando. Mas quantos outros precisarão morrer de fome, de falta de medicamentos, nas péssimas rodovias brasileiras ou mesmo de raiva pela inoperância governamental?

A verdade é que a origem desses males está nessa mania de desconsiderar o público em detrimento do particular. Enquanto essa concepção não mudar, o quesito competência continuará cedendo lugar ao do compadrio, o dinheiro público permanecerá sendo propriedade do mais esperto e as questões coletivas interessarão somente em época de eleições.

Não precisamos de corações sangrando. Precisamos é de braços fortes e mentes equilibradas e capazes que sangrem na labuta pela construção de um país em que possamos conviver em respeito mútuo.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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