Piratas de Porto Alegre



Boa parte do Centro de Porto Alegre encontra-se intransitável. Não bastasse o aumento significativo de pessoas por lá se deslocando, pelos mais diversos motivos, acrescente-se à massa o tempero do comércio informal. A receita é indigesta.

O conceito de comércio informal é variável. Retirando os comerciantes regularmente estabelecidos, poderíamos incluir neste rol uma infinidade de vendedores. Há muito tempo que esse pessoal integra o cenário porto-alegrense. A novidade é que há alguns anos, esse tipo de atividade cresceu bastante, deixando de integrar o ingênuo artesão, que elabora ou fabrica pessoalmente os produtos comercializados, para incluir variada gama de pessoas que trabalham com produtos falsificados.

É impressionante verificar que um par de tênis de uma marca da moda possa custar numa loja algo em torno de dois salários mínimos, enquanto em alguma banca obtém-se calçados similares, pelo menos na aparência, por algo em torno de cem reais. O mesmo sucede com aparelhos eletrônicos, brinquedos, bolsas de grife, etc.

Em média um disco compacto de música ou filme custa por volta de trinta e cinco reais. Já em caminhada pela Rua dos Andradas se observa ofertas da falsificação desses produtos por algo próximo a cinco reais. Isso quando não possibilitado o escambo, em que lançamentos podem ser obtidos por vale refeição ou algumas unidades de vale transporte. Os jogos para videogames constituem-se, talvez, nos casos mais assombrosos. Programas vendidos licitamente não saem por menos de duzentos reais, enquanto na informalidade estão disponíveis catálogos oferecendo os mesmos títulos por menos de dez por cento deste valor.

Significativa parte desses produtos é fabricada no próprio país, enquanto outra é trazida do exterior, em especial do Paraguai. Tanto num caso como noutro parece irrefutável o argumento de que as autoridades falharam em coibir a respectiva comercialização. A verdade dessa assertiva é comprovada pelo singelo fato de que certos espaços públicos têm sido a ela destinada, mormente pela adoção dos denominados camelódromos. Enquanto isso, artistas, criadores, fabricantes, comerciantes, em síntese, os responsáveis pela colocação dos produtos originais no mercado, lançam campanhas em prol do consumo destes.

A questão é complexa. Soluções do tipo ‘passar o rodo’ sobre o comércio informal ou fazer de conta que nenhum problema existe são evidentemente equivocadas por desconsiderarem os interesses eventualmente legítimos que escoram ambos os tipos de atividades.

De parte das regulares, é natural observar a concorrência desleal que pode acarretar em prejuízos consideráveis ao comerciante. O que não se resume em considerar a estúpida visão de que por ser empresário, e, portanto, seguidor do lucro fácil, não é digno de proteção. Não se deve esquecer que independentemente de criticáveis posturas a respeito da máxima obtenção de ganhos, boa parte do empresariado não se guia por tal princípio, cientes de sua responsabilidade de gerar empregos e arrecadação de impostos que possam reverter em proveito da camada da população mais necessitada (o fato de essa finalidade no mais das vezes não ser alcançada, por problemas gerenciais públicos, é outro problema).

De outro lado, no que tange às atividades informais, é bem verdade que acolhem parcela da força de trabalho francamente desconsiderada pelo mercado. Face à histórica incapacidade governamental de adequadamente resolver problemas sociais, o mercado informal termina por se constituir num nada dispensável paliativo pela ótica das autoridades constituídas.

Há respeitáveis estudos acerca da viabilidade de manter esse comércio informal, ainda que provisoriamente, proporcionando ao Estado o recolhimento de tributos que minimizem os problemas sociais, fazendo com que paulatinamente os exercentes dessas atividades venham a ser incluídos no mercado formal, bem como equilibre, mesmo que minimamente, os desvios decorrentes da concorrência desleal.

Acaso reconhecida a incapacidade para desenvolver tais programas, não se mostraria inadequado discutir acerca de eventuais categorizações do que é atualmente comercializado. Exemplificativamente, se é injusto que algum artista deixe de ganhar por sua obra por conta da pirataria, assim não o parece quando a necessidade de uso de computadores impõe a aquisição de programas cujos preços proibitivos apenas ensejam encher os já abarrotados cofres do sr. Bill Gates.

Enfim, inúmeras soluções podem ser buscadas para o problema. O que não pode continuar é essa notória hipocrisia e esse faz de conta de ‘prendo e arrebento’ a par dos ouvidos moucos para essa realidade. Essa seletividade aleatória entre repressão e liberação perpetua a insegurança nas relações comerciais entabuladas pelos cidadãos. E de insegurança já basta aquela que autoriza à violência bater em nossas portas.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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