Gol contra



Uma decisão judicial, referente ao jogador de futebol Richarlyson do São Paulo, causou acirrada polêmica. Ela sustenta a tese de que homossexuais, em regra, não devem praticar este esporte.

O futebol é inegavelmente esporte enérgico, de contato físico, o qual, pela força empregada, pode inclusive resultar em lesões. Então cabe indagar, estas circunstâncias, próprias da prática, seriam impeditivas da sua realização por homossexuais? A resposta é óbvia se considerarmos os homossexuais no contexto de infame e velho estereótipo. Sim! Neste contexto, não há como sujeitos efeminados ou excessivamente delicados jogarem futebol, esporte que para eles apenas favoreceria a apreciação das pernas dos atletas.

Porém, se abandonarmos esse injustificável preconceito, a resposta é exatamente outra. Para comprovar essa assertiva, podemos alinhavar diversos argumentos.

O primeiro deles, por si só estúpido e preconceituoso, termina por ser válido exatamente por desmentir a concepção, também estúpida e preconceituosa, de que homossexuais são pessoas efeminadas. Desconsideram os supostos expertos no assunto que homossexuais podem ser tanto homens quanto mulheres. Sendo assim, somos induzidos a concluir que, se homossexuais homens pretendem se familiarizar com gestos femininos, de outro lado, mulheres homossexuais teriam a tendência de adotar gestos masculinos. Estariam estas incluídas na esdrúxula tese de que homossexuais não devem praticar futebol?

A referência de que este argumento, cuja única serventia é debilitar a tese homofóbica, é estúpido e preconceituoso decorre do fato de considerar o já mencionado estereótipo com relação aos homossexuais. Cabe ingressar, portanto, no segundo argumento. Homossexuais são seres humanos como quaisquer outros. Não obstante a obviedade da afirmativa, nunca é demais lembrá-la, especialmente pelo contínuo e consciente ‘esquecimento’ por parte de algumas pessoas que insistem em considerar o homossexualismo uma doença ou um defeito de caráter.

Homossexuais se diferenciam dos heterossexuais exclusivamente pelo fato de sua opção sexual ser distinta da orientação destes. É esse o único elemento de comparação e de distinção. Qualquer avanço a partir daqui configura preconceito.

Sustentar que essa opção viola a natureza na medida em que impede a procriação é o mesmo que considerar que homens e mulheres servem apenas para procriar. Por que então, para se resolver o problema da fome e da superpopulação, depois que homens e mulheres tornem-se incapazes de procriar, não determinamos a sua morte por inanição? Idêntico destino não deveria ter aquele que, apesar de jovem, estaria incapacitado à procriação?

Ora, se o homossexual distingue-se apenas por sua opção sexual, certamente não estará impedido de praticar futebol, simplesmente porque desinteressa ao esporte a orientação sexual do sujeito. Retomando a questão da virilidade, noutros termos, nada impede que homossexuais sejam tão ou mais viris que heterossexuais. Portanto se quiserem praticar boxe, judô, vale-tudo ou coisa que o valha, isso interessa apenas ao indivíduo no âmbito de suas escolhas pessoais. Assim como a prática de peteca, tênis de mesa, xadrez ou balé, atividades evidentemente não viris, decorrerá do gosto do freguês, independentemente da sua opção sexual.

A tese, aliás, desconsidera importante informação histórica, falha imperdoável quando se pretende construir pretensiosas verdades. Muitos homossexuais compunham os exércitos da Idade Antiga. Um dos mais enérgicos e violentos, o de Esparta, não fugia à regra. A opção sexual do guerreiro, portanto, não o impedia de decapitar seu inimigo. Esse mesmo combatente, nos nossos dias, para a tese que se impugna, não poderia jogar futebol. Faltar-lhe-ia virilidade.

Aliás, se o pressuposto da virilidade é correto, poderíamos imaginar que um escrete formado por carniceiros homicidas do tipo Pinochet, Stálin, Franco e quejandos seria dos melhores do mundo.

E acaso Pelé, Garrincha, Dunga ou Ronaldo fossem homossexuais, faria isso alguma diferença? Alguém deixaria de comemorar os títulos por eles conquistados e deixar de se orgulhar do futebol brasileiro?

É irrelevante se Richarlyson é ou não homossexual. Sua opção interessa apenas a ele. O que releva considerar de sua atitude é a inegável coragem de enfrentar o preconceito. Acaba de se inscrever no panteão dos homens e mulheres, heterossexuais ou homossexuais, que encararam o preconceito como mal da humanidade, o qual precisa ser combatido, pois infelizmente ainda persegue pessoas em razão de sua cor, religião ou opção sexual.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO RIO GRANDE DO SUL
Rua Manoelito de Ornellas, 55, Trend City Center - Torre Corporate, sala 1702, Praia de Belas - Porto Alegre, RS, CEP 90110-230.
(51) 99965-1644
ajufergs@ajufergs.org.br