O BOPE não é Pop



É muito diferente tentar compreender os fatores que conduzem à violência policial, com a finalidade de eliminá-la ou pelo menos arrefecê-la, do que pretender justificá-la.

Infelizmente parece clara a escolha, por parte de alguns setores da comunidade e mesmo por algumas representativas autoridades, pela segunda opção, com a ressalva, é claro, de que a violência observe certos limites. Essas restrições podem ser das mais diversas ordens, porém sempre pressupõem a distinção entre ricos e pobres. Atualmente a circunstância territorial tem se apresentado como relevante elemento distintivo.

O Rio de Janeiro, pródigo em belezas naturais e problemas criminais, é exemplo recorrente. Declarações de algumas das suas mais altas autoridades o confirmam. Primeiro seu secretário de segurança afirmou que o tiro próximo à zona sul é diferente daquele disparado em outra localidade. Depois, o governador falou sobre a necessidade de despenalizar o aborto, tendo por premissa a comparação entre as taxas de natalidade de Copacabana e as das favelas. Concluiu que estas são “fábricas de marginais”.

Ambas as declarações constituem o mais perfeito resumo de como é tratada a criminalidade no Brasil. Para os que estão no topo da pirâmide social é uma coisa, para os que estão em baixo, outro. Será preciso afirmar o óbvio a respeito de quem sai prejudicado nessa história?

Aos que ovacionam a violência policial, é preciso indagar se os aplausos dirigem-se a toda e qualquer violência policial ou se estão limitados àquela praticada no escurinho dos becos ou barracos que formam a paisagem das favelas ou de quaisquer outros núcleos habitacionais que recepcionam os menos privilegiados socialmente. A resposta parece indiscutível.

Subjacente à discussão, o filme ‘Tropa de Elite’. O assunto já está se tornando chato, possivelmente pelas verdades nele veiculadas, as quais preferimos esconder, fazendo de conta que tudo ali é ficção. Mas alguém viu alguma cena com o capitão Nascimento desfilando triunfalmente nas proximidades do posto 9 em Ipanema? Descendo à realidade, há alguém do Bope por ali? Não! Ali é a área dos filhos privilegiados das natas cariocas, cuja sensação de fome é experimentada pelo nome de larica. E é momentânea. Há comida suficiente à venda na beira da praia. O lance é comer um biscoito ou uma esfirra e fumar outro baseado.

É possível que o sujeito que aprova o uso do saco e do cabo de vassoura para o traficante favelado invoque os direitos humanos e exija indenização moral pelo empurrão que o playboy sarado levou de um policial militar que resistiu à prisão por estar vendendo droga. É por isso que tem razão o secretário de segurança. O conceito de violência policial difere de acordo com a localidade. Para uns o empurrão é o ápice da agressão. Tolerável a tortura, no entanto, aplicada a outros.

Como não se quer resolver efetivamente o problema da criminalidade, o negócio é ir empurrando com a barriga. Deixa-se de fora a burguesada e dá-lhe pau na galera do porão. Difícil é que o tamanho da barriga tem que ser cada vez maior.

Como só porrada não tem resolvido o problema, é preciso atacar o mal pela raiz. Daí a brilhante solução apresentada pelo governador: não deixar nascer futuros traficantes. Claro que a medida deve valer somente para o pessoal da favela. Quem queima índio e mendigo, mata gente no trânsito com seu vistoso carro importado ou distribui droga em festinha de cobertura fica de fora.

Está para nascer um gênio afirmando que a taxa de natalidade nas favelas é maior porque falta educação ou porque diante da completa ausência do estado, exceto para baixar o sarrafo, é natural que as famílias sejam maiores. Ainda está para surgir um sábio dizendo que se todo favelado fosse bandido, o morro já teria tomado conta da cidade maravilhosa. O óbvio, de tão ululante, nos cegou. A partir daí, toda bobagem é válida.

Infelizmente o recado transmitido pelo filme não foi compreendido. Ao invés de propiciar a discussão da violência policial, transformou o Bope em celebridade. Virou moda; tornou-se pop. Gira a roda da fortuna e a violência vira consumo. Se é para esculachar geral, vale a pena ressuscitar o Rambo para terminar com os iraquianos. O estereótipo é um excelente esconderijo para as verdades seqüestradas.

Parece demorar o dia em que nos daremos conta de que o Bope e traficantes favelados existem para diversão de alguns poucos. Assim como há muita gente querendo dar fim a essa guerra, há muitos outros que pretendem que ela continue.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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