Homens e mulheres desiguais



Não é incomum ouvir alguém apregoar, com suposta autoridade de sábio, que todos são iguais perante a lei, inclusive mencionando que na Constituição Federal há regra expressa nesse sentido.

De fato existe essa norma (art. 5.º), o que não significa que ela não deva ser interpretada, em certos casos, de forma a admitir diferenças. Pode parecer contraditório, mas desde Aristóteles se desenvolve a idéia de que devem ser tratados igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades. Abandonemos a fórmula filosófica e vamos aos exemplos, sempre mais adequados a explicá-las.

O princípio da igualdade tem certidão de nascimento. Com o ostracismo do regime feudal e a ascensão da burguesia, esta, para que pudesse se afirmar, precisou vencer as resistências dos grupos então dominantes, basicamente representados, no plano político e econômico, pelos senhores feudais. O discurso da igualdade então é reclamado como princípio racional que não poderia justificar diferenças de tratamento em razão da classe social.

Entretanto evoluiu a sociedade, e com ela os costumes, as práticas, os modos de produção econômica e de distribuição da riqueza. O princípio da igualdade deveria seguir a mesma marcha. O que não aconteceu. Especialmente no plano econômico. Assim, sob o argumento da igualdade, aí referida sob o aspecto puramente formal, é que se tem olhado com tamanha indiferença para as desigualdades sociais. Na prática, a igualdade assim considerada, importa admitir que o filho de um pedreiro disponha das mesmas condições que as do filho de um industrial de formar-se médico.

Não obstante, o trato da igualdade evolveu de forma diferenciada nos mais diversos campos das relações humanas. Se no plano da distribuição das riquezas, havidas e produzidas, a questão da igualdade pode ser reputada como um retumbante fracasso, noutras áreas são sensíveis os avanços alcançados, especialmente no que tange ao tratamento igualitário de homens e mulheres. Ainda assim, alguns equívocos ou precipitações devem ser desfeitos.

Em tempos de ‘politicamente correto’, talvez seja qualificado de machista aquele que porventura afirmar que homens e mulheres são diferentes. De qualquer forma, parece inegável que há diferenças, as quais não se limitam ao fato de possuírem órgãos sexuais distintos.

Historicamente, fato observável já nas primeiras civilizações, associou-se ao sexo feminino a idéia de fragilidade física, o que resultou na distinção homens guerreiros e mulheres a eles submissas. Limitadas as exceções a pequenas comunidades matriarcais, descobertas por trabalhos dos antropólogos, o corriqueiro era reservar aos homens as atividades sociais, deixando às mulheres pequeno e ínfimo espaço de participação e deliberação. Basta recordar que apenas no século passado é que se passou a admitir amplamente o direito de voto às mulheres.

Em linhas gerais, resguardadas as exceções, apenas por ocasião das grandes guerras mundiais é que a mulher passou a ocupar espaços mais ativamente. Quase que de maneira global, ainda assim forçados pelas circunstâncias, é que os homens puderam corrigir o equívoco de tratar discriminadamente as mulheres. Isso significa que, de fato, homens e mulheres são iguais? Ou melhor, absolutamente iguais?

Em primeiro lugar é necessário eliminar a odiosa discriminação imposta pela história baseada pura e simplesmente no sexo, para admitir que existem outras diferenças. Por exemplo, o fato de as mulheres gerarem dentro de si outra vida humana tem implicações que ainda não foram totalmente esclarecidas. Por conta disso, a mulher pode ter sua profissão, contribuindo exclusivamente para o sustento da família, enquanto o homem exerce o papel de permanecer em casa com os filhos; ela pode ela fazer halterofilismo e ele crochê. Não importa. O que releva considerar é que ainda assim são diferentes. E por serem diferentes merecem tratamentos distintos.

É por conta dessas diferenças que se mostra absurdo, para não afirmar de má-fé, o argumento que sustenta que, com base no princípio da igualdade, é autorizado deixar uma adolescente trancafiada numa cela com outros homens.

Há diferenças que devem ser respeitadas, sob pena de colocar em risco a própria diferença, sadia, aliás, entre os seres humanos. O que não se pode permitir são procedimentos discriminatórios onde a diferença não está em questão. O fato de alguém discriminar um homossexual para a prática do futebol faz do primeiro um acéfalo merecedor da indiferença. A opção sexual é desimportante para a prática do esporte. De outro lado, a chamada igualdade pode se prestar para uma besteira que no fundo é idêntica. O arquiteto de um órgão público não pode esquecer que o prédio que constrói deve ter acesso especial a deficientes físicos. Se ele argumentar que todos são iguais e o acesso deve ser feito por escada, é comparável ao idiota do exemplo anterior.

É preciso ter cuidado com discursos preconizando a igualdade absoluta. Por vezes há necessidade e justificativa para tratamentos distintos. Somos todos seres humanos cuja dignidade individual deve ser respeitada. Essa exigência é que deve ser igual para todos.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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