Hora de retomar as boas idéias



Sai do palco da vida 2007 para nele ingressar 2008. É o momento de felicitações pelo novo ano que nasce, mas também a época oportuna de relembrar o que aconteceu com o ano que vira passado. Por isso as famosas retrospectivas.

É hora de depurar os acontecimentos. Desejar que os males morram com o ano que se retira, e que só o bem permaneça. Mas é preciso aprender. Aprender para aplicar. Aplicar para celebrar conquistas. Esse caminho somente é trilhado quando não descartamos as experiências vividas, quando a elas voltamos para facilitar o caminho na exploração do futuro.

E talvez aí resida o grande benefício dessa celebração do final de ano. No mais, como já foi referido nesta coluna, exceto para os gnósticos, tudo se resume à troca de calendário. Como os cheques vêm perdendo espaço para o dinheiro de plástico, representado pelos cartões bancários e de crédito, é possível que essa preocupação não mais exista dali a pouco.

Então chega de conversa fiada e vamos ao que interessa. Relembrar um aspecto político recente, mas específico de 2007. A não aprovação, pelo Senado Federal, da Contribuição sobre Movimentações Financeiras. Ou CPMF para os íntimos, quase todos nós. A ausência de menção ao ‘provisória’ é deliberada. A ela se poderá voltar quando dos comentários às alegorias das escolas de samba no carnaval.

Temos que admitir, a CMF era um bom tributo. Seria bom que voltasse. Calma, prezado leitor! Claro que não nas mesmas circunstâncias passadas. Alguns ajustes periféricos, mas nem por isso menos profundos, deveriam ser feitos. Seguem as razões.

Primeiro. A CMF possivelmente é o tributo que melhor observa a capacidade contributiva. Ou seja, arcando-se pela movimentação do que está depositado no estabelecimento bancário, todos pagam pela mesma alíquota, mas invariavelmente quem movimenta mais paga mais, enquanto quem movimenta menos paga menos, critérios normalmente associados ao nível de riqueza do contribuinte. O contrário ocorre com o ICMS. Sobre o papel higiênico incide a mesma alíquota. Todos pagam o mesmo, independentemente da condição social. É provável que ao final os mais abastados paguem mais ICMS, desde que, porém, consumam mais, circunstância essa que é significativamente variável. No caso de quem sofre a síndrome do Tio Patinhas, pagará o mesmo de ICMS, pela compra do papel higiênico, que qualquer outra pessoa que possua muito menos dinheiro.

Segundo. A CMF é praticamente não sonegável. Assim, maracutaias do tipo caixa dois são de difícil existência. Claro que o espírito criativo e versátil do brasileiro não deixou de, infelizmente, atuar a favor de alguns poucos sonegadores. Já se identificam uma ou duas formas de evitar, ilegalmente, o pagamento da CMF. Todavia não possuem a dimensão e a proporção de desvio atingido por alguns outros tributos.

Terceiro. Através da CMF é possível identificar a falcatrua com relação a outros tributos. Muita gente, supostamente esperta, caiu nas malhas da Receita Federal porque se declarava isenta ou devedora de valores ínfimos, quando na verdade possuía uma movimentação financeira nababesca. Tudo bem que isso parece coisa do grande irmão orwelliano, reacendendo o discurso de que o estado vigia todos os nossos passos. Porém não se trata de nossos passos, mas de nossa movimentação global. Não interessa ao Fisco se o sujeito gastou com a esposa ou com a amásia pela compra do caro colar de pérolas. De outro modo, experimente obter crédito em algum estabelecimento comercial qualquer. Normalmente eles dispõem de bancos de dados de causar inveja a qualquer órgão investigativo.

Num estado (aqui compreendidos todos os entes federativos) que em regra arrecada muito e gasta mal, soa antipático defender a volta da CMF. Aí é que entra a contrapartida. É preciso cortar outros tributos. Especialmente aqueles que oneram o parque produtivo e os consumidores, ao mesmo tempo em que deixam de fora os desonestos sonegadores.

Portanto é premente a necessidade de reformar o sistema tributário nacional. É preciso instituir um modelo mais racional e dinâmico, apto a evitar a evasão fiscal. Claro que isso é difícil e demanda inúmeras costuras políticas. Tornando mais coerente a forma de arrecadação, é possível que esse espírito contamine os governos também quanto aos gastos públicos.

Fato é que não podemos admitir a sonegação, com esse atual faz de conta tributário porque o estado não funciona. A exigência de funcionamento adequado do estado, não se confunde com a idéia de um sistema tributário mais justo. Há, pois, dois enfoques para discussão. Primeiro, o aprimoramento do sistema tributário. Segundo, a forma mais adequada de os governos gastarem o dinheiro arrecadado. Não necessariamente nessa ordem.

Tomara que 2008 seja o ano dessas viradas. A sociedade brasileira agradece. Feliz ano novo!

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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