O tempo do Judiciário e o tempo do Jornalismo



Em recente palestra para juízes federais, uma jornalista declarou que a imprensa não se interessa por boas notícias. Afirmou ela que o que se espera das instituições é que funcionem regularmente. Se o desejável não ocorre, o que merece divulgação é o excepcional ou irregular.

Deve-se discordar dessa conclusão, porque desconsidera o indispensável papel da imprensa livre em de qualquer democracia. E isso não é de agora, com a atual disponibilidade e rapidez dos instrumentos midiáticos. O célebre escritor Lima Barreto, em uma de suas obras, qualificou a imprensa de quarto Poder da então incipiente República. Assim, dada a importância da imprensa livre, não é demasia esperar que atue em benefício da sociedade, mais do que simplesmente dedicando-se à divulgação de tragédias individuais ou sociais. Boas notícias merecem atenção jornalística, as quais, aliás, são freqüentemente divulgadas.

Pontuais críticas à imprensa, no entanto, não traduzem o propósito de desqualificá-la de maneira generalizada e imotivada. Esse procedimento é equivocado. Alguns adjetivos revelam exatamente a necessidade de cuidado. Imprensa marrom, chapa branca, etc. são termos utilizados para designar alguns meios de comunicação, dissociando-os de outros. Qualquer setor tem problemas. O Judiciário os tem. Tanto que a própria imprensa os ressoa na sociedade. Nada mais adequado em salutar convívio democrático. O apontamento de equívocos e a sugestão de soluções terminam por aprimorar a instituição criticada.

Assim, o propósito deste espaço, não é criticar a imprensa senão sob o aspecto da sua relação com o Poder Judiciário. Mais que isso, não há preocupação em estabelecer supostas verdades, mas simplesmente suscitar debate ausente em algumas críticas que a imprensa faz ao próprio Judiciário. Noutros termos, elaborar uma crítica da crítica, a fim de verificar se a primeira é correta. Para tanto é preciso avaliar e comparar o tempo do Judiciário e o tempo da imprensa. E essa análise dispensa cotejos sob o aspecto qualitativo. O tempo de um não é melhor que o do outro. Apenas são diferentes. Cabe estabelecer, se for o caso, critérios com base nos quais objetivamente se possa examinar qual deva prevalecer, ainda que somente em determinadas situações.

O exemplo da menina jogada pela janela do apartamento do pai em São Paulo é esclarecedor. Independentemente da culpa de qualquer dos indiciados, fato é que estão julgados por boa parte da imprensa. E, conseqüentemente, condenados pela opinião pública. E pelo Judiciário, a quem incumbe constitucionalmente o julgamento formal, quando o serão? Até lá, ou depois dele, acaso inocentes essas pessoas, a responsabilidade pelo julgamento precipitado é de quem?

Muita gente reclama, com razão, da demora do Judiciário em decidir boa parte das questões que lhe são submetidas. Por outro lado, Caetano Veloso fala de “contexto apressado do jornalismo”. Surge aqui, pois, a necessidade de distinguir as funções desempenhadas por um e outro na sociedade.

O compromisso último do jornalismo é sempre com a verdade, mas sem deixar de atentar para o relógio. A matéria tem horário para publicação, o que é intrínseco à atividade. O Judiciário tem prazo para realizar seus atos e normalmente, com justificadas razões, termina por extrapolá-los. Independentemente, o esclarecimento dos fatos predomina sobre a questão tempo. O ato de julgar demora por exigir reflexão sobre o fato. Mesmo as medidas cautelares submetem-se a regramento específico, o qual permite revisão acaso não confirmados seus pressupostos.

Portanto, a distinção reside na própria natureza das funções. Jornalista divulga o que colhe. O juiz julga. E o julgamento precisa ser ponderado, sob pena de precipitação. No mais das vezes irreversível.

Claro que o jornalista também deve atentar a essa emboscada. Uma publicação pode acarretar sérios prejuízos à vida de alguém, especialmente quando não encontra respaldo nos fatos. A publicação de simples errata não repara o problema. Daí a necessidade do cuidado. Mas o desdobramento de um julgamento precipitado e injusto normalmente é muito mais grave.

Essa cautela dos jornalistas não importa que devam alterar sua forma de atuação, apenas recomenda que podem estar alertas a que o tempo do Judiciário é outro. Não se apercebendo disso, passam a impressão, àqueles que acessam suas reportagens, que o Judiciário não atua rapidamente por que não quer.

Melhor do que compatibilizar o tempo do Judiciário com o tempo da imprensa é admitir a distinção de ambos, respeitando a natureza de cada qual. A compreensão das respectivas atividades permite essa avaliação. Errado é exigir que um cumpra o tempo do outro. Juiz prejulgando perante câmeras de televisão é tão pernicioso quanto o jornalista que espera maturar sua matéria até o momento em que inexista interesse do público pelo assunto.

O radialista não precisa conferir o replay do lance para anunciar o tão aguardado gol. Mas também o juiz não precisa ser criticado quando justificadamente perde tempo refletindo sobre sua decisão. É uma questão de compreensão. Diferentes os tempos de cada qual, fato é que não podemos dispensar nem o Judiciário, tampouco a imprensa livre. A democracia agradece.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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