Desequilíbrios governo-ambientais



Fatos recentes demonstram que a Mãe Natureza tem-nos castigado pelo mais completo desrespeito ao planeta. Dois distúrbios ambientais aconteceram muito próximos ao solo gaúcho, para evidenciar que a preocupação concernente não é específica dos norte-americanos, europeus e alienígenas.

Um deles foi a catástrofe decorrente das enchentes na região catarinense de Blumenau. Fortes e constantes chuvas não perdoaram a população, e para além dos desalojados e desabrigados, muitos terminaram pagando com as próprias vidas. Inegável que as alterações climáticas causadas pelo aquecimento e poluição globais determinaram esse evento trágico. Outro fato, também na já abalada, mas nem por isso menos bela Santa Catarina, foi o alagamento, igualmente em decorrência de fortes chuvas, da região próxima à Criciúma e Araranguá. Outras centenas de desalojados e desabrigados. E outra vez aqui a natureza foi implacável.

Estamos pagando o preço – alguns de forma bem mais cara – pelo desequilíbrio ambiental. E a não ser por medidas preventivas ou de auxílio imediato, o Estado – aqui compreendido em sentido lato – pouco pode fazer.

Comumente tem sido decretada a falência do Estado por conta de dois distintos catalisadores. Pela incapacidade de gerir adequadamente suas atribuições – situação mais real nas nações mais pobres ou em desenvolvimento – e pelas deficiências de tratamento com o capital financeiro global – se bem que essa postura deve ser reexaminada por conta dos atuais auxílios estatais às extravagâncias desse mesmo capital –, deixar simplesmente ao Estado a adoção das medidas necessárias pode representar a opção por um caminho sem volta. Além da ausência de políticas concretas de prevenção ao meio ambiente, a pretensão de realizar essas mesmas políticas esbarra nos interesses industriais naquilo em que conflitam.

O adequado tratamento da questão ambiental, pois, está diretamente relacionado às práticas que diariamente adotamos e que podem colaborar para a diminuição dessas catástrofes. Medidas singelas, como por exemplo, evitar o desperdício de água potável, utilizar racionalmente a energia elétrica, dispensar tratamento adequado ao lixo e estimular o consumo de produtos orgânicos, têm repercussão imediata.

Óbvio que não apenas os cidadãos, individualmente considerados, devem exercer esse papel. O Estado, como ente representativo das demandas coletivas, não deve permanecer alheio ao problema. Quando se cogita que não apenas do Estado devem ser exigidas posturas protetivas, não significa que esteja dispensado de qualquer envolvimento. Estabelecer, exigir e fiscalizar o cumprimento da educação ambiental – em todas as esferas e fases de aprendizagem –, o efetivo controle do desmatamento, em especial na Amazônia, com severa punição dos infratores, e a adoção de políticas que incentivem o uso do transporte público em detrimento do privado são bons exemplos de medidas que podem auxiliar na prevenção do meio ambiente. Problema é que a questão ambiental, não obstante seja questão de Estado, é confundida como questão de governo.

Não se duvida que os governos enfrentariam dolorosos reveses – aos seus interesses políticos, que fique claro! – acaso contrariassem as indústrias automobilísticas e os latifundiários nortistas. Sendo notória sua incapacidade de lidar com questões mais simples, imagine-se ao se depararem com prováveis diminuições na arrecadação dos financiamentos de campanha e pela transferência de votos! Vamos a um exemplo concreto.

Ora, os incentivos governamentais à produção de veículos automotores – perdão pelo trocadilho infame, “carro-chefe” segundo alguns da solidificação da economia brasileira – vão ao encontro exatamente das pretensões das indústrias automobilísticas. Enquanto isso, os prósperos fazendeiros e madeireiros nortistas nada têm a ver com o assunto. A questão ambiental permanece de fora.

Se há estímulo à aquisição de veículos, presumindo-se que o adquirente pretenda usá-lo para sua finalidade específica, os governos deveriam cuidar das vias que nelas trafegarão esses mesmos veículos. Incrivelmente não é o que sucede em boa parte dos casos.

Incomparavelmente menos gravoso que os eventos antes narrados, mas que causou dissabores que poderiam ser perfeitamente evitados, foi o alagamento da Rodovia BR-101 nas proximidades do município de Araranguá/SC. Pessoas ilhadas, dormindo no interior de seus automóveis nas seguras vias públicas brasileiras, etc. Por causa das chuvas, sim. Mas os transtornos poderiam ser evitados se as obras na rodovia estivessem concluídas. Quando o serão?

Se o sujeito é estimulado a adquirir um bem que não pode ser usufruído a contento, por responsabilidade daquele que estimulou a aquisição, o que esperar da adoção de políticas mais ajustadas ao controle do meio ambiente?

De fato a sociedade civil precisa diretamente interagir mais e melhor nas questões ambientais. E não apenas nelas! Deixá-las tão-somente aos governantes – como se fossem questões de governo e não de Estado – é receita certa ao fracasso. Depois não adianta reclamar de São Pedro.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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