A composição do Supremo Tribunal Federal



Discute-se na Câmara dos Deputados a possibilidade de alteração da Constituição Federal para fins de estabelecer mandado periódico ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Inclusive sugere-se onze anos.

Lidera o debate o deputado federal Flávio Dino, congressista que foi juiz federal e presidiu a Associação dos Juízes Federais - Ajufe. Possui respeitabilíssimo currículo. Não por ter simplesmente sido magistrado, mas por que foi um destacado juiz e realizador de importantes trabalhos à frente da Ajufe. A título de exemplo é referido seu empenho na consolidação dos Juizados Especiais Federais, instrumento de aproximação da Justiça Federal com o cidadão e de aceleração do andamento dos processos. Além disso, é deputado operoso, reputado um dos mais influentes e trabalhadores.

Profundo conhecedor da atividade judicial e intransigente defensor da democracia, invariavelmente sua atuação tem por finalidade o aprimoramento institucional em benefício da sociedade. Exatamente por isso, é provável que Flávio Dino tenha concedido entrevistas visando a instauração de amplo debate através do qual seja possível erigir mecanismos diversos ao atualmente acolhido pela Constituição Federal para composição do Supremo.

Entretanto, pelo menos na forma em que apresentada por alguns órgãos de imprensa, cabe divergir da proposta inicial, a qual se limita, não custa repisar, estabelecer mandato temporário. A motivação dessa eventual mudança encontra-se na suposta atuação desenfreada do Supremo, especialmente pela deliberação em áreas específicas do Poder Legislativo.

Primeira questão, o estabelecimento de mandado temporário aos Ministros pode estimular as ações políticas em torno da indicação. São conhecidos do grande público os acertos, as composições, os compromissos, os conchavos que medeiam as escolhas para suprimento de cargos públicos. Há aí muito de política partidária, em defesa de grupos particulares, sem nenhuma preocupação com a finalidade última dos serviços públicos: o benefício da população.

Transportar essa realidade ao campo de indicação dos Ministros do Supremo pode representar, definitivamente, a politização, no seu sentido menos louvável, da Corte, de lá saindo decisões não supostamente em conformidade à Constituição, mas comprometidas com os acertos feitos pelo candidato a Ministro para que fosse o escolhido.

Não devemos ser ingênuos a ponto de acreditar que, atualmente, especialmente nos bastidores, inexistam manobras políticas a fim de chancelar alguma indicação. Ainda assim é preciso reconhecer que está muito longe do ‘oba-oba’ que diuturnamente acompanhamos para suprimento de outros cargos públicos.

Mais que isso, a política, hábito inerente às ações humanas, não pode ser alijada do processo de escolha dos Ministros, pois suas decisões poderão afetar praticamente toda a sociedade. São naturais os trabalhos a favor ou contra determinada indicação, exatamente por ela se mostrar favorável a uns e outros valores. Determinadas forças procurarão influenciar que um candidato a favor do aborto seja escolhido, enquanto outras atuarão para que não o seja. Porém essa situação difere significativamente do cenário de barganhas e balcão de negócios que infelizmente orienta a indicação dos quadros cuja composição dependa do governo de plantão.

Conhecendo-se o trabalho de Flávio Dino é autorizado pressupor que a intenção seja exatamente estimular o debate público a respeito de determinada indicação, o que praticamente inexiste hoje no Brasil, onde há chancela apenas formal do nome apresentado pelo Presidente da República. Sendo esse o objetivo, ganha a democracia, posto que haverá forte instrumento de filtragem por intermédio do qual seja possível avaliar as aptidões e condições do candidato para o exercício do cargo. O problema é que os efeitos dessa proposta certamente não se limitarão a essa finalidade, propriamente em função do que se observa na atual conjuntura política brasileira.

A segunda questão, já apresentada neste espaço, é que o Poder Legislativo não tem exercido suas atribuições constitucionais. A Constituição já completou vinte anos e há dispositivos ainda sem regulamentação. Alguns deles transitam na área dos direitos individuais, portanto não podem aguardar incerta atividade legislativa para serem exercidos, incumbindo, então, ao Judiciário suprir esse vácuo. A verdade é que o Supremo não se sobrepõe ao Congresso, apenas atua nos vazios deixados por este.

Para suprir essa deficiência não é necessária qualquer proposta de alteração constitucional. Basta o Congresso arregaçar as mangas e começar a trabalhar no cumprimento de suas obrigações institucionais.

É inegável, por outro lado, certo ativismo judicial que tem transformado o Supremo em instância superior do processo legislativo. Mas esse é assunto que consumirá outra coluna.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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