Acesso às Provas



Nos Estados Democráticos, o acesso do investigado, ainda que por intermédio de defensor constituído, às provas angariadas em seu desfavor constitui direito fundamental. Não é preciso invocar Kafka para exemplificar os malefícios da ausência desse direito, regimes de exceção são se encabulam em sonegá-lo.

Esse direito, no entanto, não se estende à necessidade de cientificar o investigado acerca de certos atos investigatórios preliminares. Caso específico da interceptação telefônica. O elementar dessa espécie probatória é que o sujeito desconheça que está sendo investigado. Cônscio da escuta, certamente não prestará informações relevantes para o esclarecimento dos fatos sob investigação.

Importante registrar o aparecimento da expressão ‘atos investigatórios preliminares’ no parágrafo anterior. Por óbvio que ao réu, ou seja, o sujeito contra o qual foi, pelo juiz, recebida a denúncia que lhe imputa a prática de algum ato delituoso, o resultado deverá estar disponível. Mais que isso, já no momento do interrogatório realizado pela autoridade policial esse acesso deve ter sido garantido.

Sobre a questão o Supremo Tribunal Federal editou sua décima quarta súmula vinculante com o seguinte texto: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Cabe indagar – já que no curioso sistema jurídico brasileiro o juiz pode considerar inconstitucional uma lei votada pelo Congresso, mas não pode divergir, ainda que parcialmente, de uma súmula vinculante – sobre o efetivo alcance do enunciado.

Conforme admitiu o próprio Supremo, as interceptações podem ser renovadas depois de esgotado o prazo legal de quinze dias. Todavia, o que já foi coletado deve ser submetido a controle do juízo. Questiona-se: renovada a autorização judicial para a interceptação, a escuta, em mídia ou degravada, já constante dos autos, mesmo que apartados, pode ser acessada uma vez que ‘documentada’?

Sob outra ótica, não haverá um incentivo à ocultação de certos atos sob o argumento de preservar-se a investigação, atribuindo às autoridades a seleção do que pode ou não ser conhecido e, assim, sobrepujando o objetivo da Súmula? A propósito o seguinte excerto de notícia colhida do sítio do STF em 02 de fevereiro: “O ministro Peluso lembrou que a súmula somente se aplica a provas já documentadas, não atingindo demais diligências do inquérito. ‘Nesses casos, o advogado não tem direito a ter acesso prévio’, observou. Ou seja, a autoridade policial está autorizada a separar partes do inquérito que estejam em andamento para proteger a investigação”.

O assunto é bastante complexo, sendo impossível esgotá-lo – se é que isso seja possível – nos limites deste espaço. Por essa razão cabe também questionar se seria adequado tratá-lo em concisa súmula. Talvez fosse precipitado tratar a rodo a matéria, descurando as particularidades que lhe são inerentes e, em conseqüência, sujeitando ao insucesso determinados procedimentos investigatórios, ou, o que é mais grave, indiretamente prejudicando a ampla defesa.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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