Gosto pelo Litígio



Alguns dos números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, na semana passada neste espaço, demonstram que o brasileiro litiga bastante.

Obviamente que não há uniformidade na proporção número de ações em comparação à população, já que em algumas áreas há inegáveis dificuldades de acesso ao Judiciário. E, inversamente, em regra, é nas metrópoles que essa proporção é mais significativa.

Considerando que, em princípio, é nas metrópoles que se concentram maior possibilidade de acesso às informações – circunstância que tem sido bastante relativizada pela internet – e maior disposição à participação nas questões políticas – pelo menos em razão de nas capitais estarem os Legislativos e Executivos – não seria incorreto afirmar que onde há mais concentração das cobranças políticas é onde haverá, proporcionalmente, número maior de demandas judiciais.

Se esse raciocínio estiver correto, será possível afirmar que o aumento do número de demandas está relacionado diretamente às exigências de cumprimento dos direitos estampados no sistema jurídico. É sedutor imaginar que, em conseqüência, essa constatação remete à maior consciência política dos cidadãos e ao aprimoramento da democracia historicamente ainda incipiente no Brasil.

No entanto devemos desconfiar desse argumento. Se de fato está vinculado à efetivação da democracia, será necessário questionar a razão pela qual em nações onde ela se encontra mais consolidada, seja temporal, qualitativa ou quantitativamente, essa ‘vontade de litígio’ não é tão significativa.

A essa ressalva podemos contrapor que essa ‘vontade de litígio’ é especificidade brasileira. Em razão de nossas peculiaridades culturais, entre tantas outras diferenças ela termina também por se consolidar como característica peculiar.

Talvez nosso excessivo individualismo possa configurar uma explicação plausível. Quem sabe por trás da composição do ‘homem cordial’, alguém excessivamente individualista, preocupado apenas com seus interesses, sem renunciar à parcela que em menor ou maior parte lhe é exigida para convivência pacífica em sociedade, não se encontra a resposta? Homem esse que, aliás, trabalha a noção do público como voltada exclusivamente para assegurar de forma intransigente a sua vontade.

Ora, e por defesa intransigente haverá de se incluir aí a vontade de fomentar demandas judiciais, tantas quantas sejam necessárias e até onde seja possível, na expectativa de manter incólumes seus particulares interesses.

Talvez uma coisa nada tenha a ver com a outra e esta cogitação não passe de uma gastronômica ‘viagem na maionese’. Mas alguma explicação se haverá de ter a respeito da apavorante situação atual. Decerto, primeiro é necessário diagnosticar a enfermidade para depois recomendar o tratamento adequado.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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