Decisões por atacado



Mesmo sendo insistente e parecendo importuno, é preciso perseverar no assunto atinente aos números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

Diante da infinidade de processos em tramitação no Poder Judiciário, muitos têm falado em ‘choque de gestão’, como se o problema fosse apenas gerencial. Que o aprimoramento e criação de instrumentos aptos a auxiliar a prestação jurisdicional é importante ninguém parece duvidar. A título de exemplo, a utilização otimizada da informática. Todavia crer que tão somente medidas desse gênero serão suficientes significa admitir um modelo de atuação judicial incompatível com as pretensões constitucionais.

Exceto as discussões referentes à inconstitucionalidade das leis – e mesmo nesses casos a modulação temporal dos efeitos de tal declaração pode exigir soluções tópicas – toda e qualquer decisão servirá como norma a reger determinado caso concreto. Mas não podemos esquecer, invocando já clássico bordão, que ‘cada caso é um caso’. Tratar as circunstâncias fáticas da relação jurídica de A e B como idênticas a de C e D, por mais focos de identificação que apresentem, exige inconvenientes abstrações e generalizações em desacordo com as mesmas circunstâncias fáticas que demandavam soluções distintas.

Além disso, cabe indagar o que seria ‘choque de gestão’. A elaboração de critérios generalizantes para daí produzir decisões aos borbotões? Sumular matérias que naturalmente recomendam apreciação individualizada?

Exemplifiquemos com um juiz que mensalmente recebe centenas de processos de auxilio doença para julgar, benefício este alcançado aos trabalhadores que, por restrições decorrentes de alguma enfermidade, não podem temporariamente trabalhar. Premido pela necessidade de julgar esses casos o mais rápido possível, este juiz estabelece como critério que todos os que apresentam pressão alta não têm direito ao benefício. E, com base nele, elimina significativa parte dos processos.

Se essa situação configure de fato um ‘choque de gestão’, talvez seus idealizadores desejem agraciar o magistrado com algum prêmio ou medalha pela eficiência. Mas e o caso do sujeito cuja hipertensão apresenta uma peculiaridade específica que recomendaria seu afastamento do trabalho? E se outro, a par da hipertensão, é portador de alguma problema cardíaco acionado pela hipertensão? O motorista de ônibus, pela natureza da profissão exercida, não merece maior cuidado do que o jornaleiro? O estivador não corre mais riscos, pelo esforço físico inerente à atividade, do que aquele que trabalha num escritório?

Esse tratamento, mais do que solucionar inadequadamente os mais variados casos concretos, também obstaculiza a renovação do Direito por intermédio da busca incessante de respostas mais coerentes à realidade social.

Certamente essas respostas serão céleres, possivelmente mais rápidas que as refeições adquiridas num ‘fast food’. Porém passarão a ser postas e não propriamente pensadas. A quem será que interessa esse tipo de prestação jurisdicional por atacado?

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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