Litigiosidade e incapacidade gerencial



Como anteriormente afirmado, há um sentimento forte de litigiosidade entre os brasileiros. Tudo é motivo para discussão judicial. Aqui e acolá se ouve freqüentemente alguém, depois de algum dissabor, dizendo que vai “buscar os seus direitos”.

Uma boa explicação é que proliferam as controvérsias e o Estado – compreendido em sentido amplo – preocupa-se apenas em intervir no último momento, omitindo-se de qualquer ingerência que pudesse evitar, na gênese, esses eventos que desembocam no Judiciário.

Exemplifiquemos com a recente notícia de professora agredida por uma estudante na escola. Há a hipótese de a professora apresentar alguma demanda judicial por danos morais contra os responsáveis pela estudante, ou mesmo esta contra aquela por ter sido chamada, sempre segundo o noticiado, de “vileira”. E é bem provável que seja extravasado o campo cível para que a apuração da prática de crime pela primeira e ato infracional pela segunda.

Ainda no campo das probabilidades, é plausível afirmar que, acaso houvesse uma atuação estatal mais atenta, talvez sequer esses fatos tivessem acontecido. A prestação de ensino desestrutura-se diuturnamente, e dentre outros aspectos, face à complexidade da questão, dois podem ser citados como elementares para a configuração desse quadro.

Primeiro, a mais completa ausência de assistência aos professores, especialmente na área pública. A par dos salários ínfimos, eventualmente acrescidos de penduricalhos remuneratórios normalmente alcançados a puxa-sacos dos governantes de plantão, são insuficientes os dedos das mãos para contar as medidas desestimulantes para o exercício da atividade discente. Uma delas, temporalmente próxima e coincidentemente objeto de ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, é a ausência de remuneração por atividades desenvolvidas fora da sala de aula. É sabido que o ensino não deve se encerrar nesta, pois pressupõe – ou deveria pressupor – o desenvolvimento de tarefas fora da classe como uma comezinha correção de prova.

Outro dado é a mais completa ausência de qualquer apoio estatal extra-curricular que trate de envolver as famílias na atividade educacional. Significativa parte dos pais, por motivos diversos, não tem disposição de alcançar aos filhos orientações básicas para a convivência social, esperando que a escola supra essa carência. Já não passou do tempo de desenvolver ações no sentido de exigir dos pais maior participação?

A fórmula ‘professor desestimulado e aluno mal-educado’ redunda precisamente numa bomba prestes a detonar. A notícia aqui mencionada é apenas uma das explosões. Outras ocorrem e muitas outras sucederão se não forem tomadas as medidas necessárias.

Dirá o Estado que cabe interferir somente depois que a bomba explodiu. Pois nem aí está atuando a contento. No momento em que se preconiza ‘choques de gestão’ para solucionar o problema do excesso de litígios, fatos como esse não receberão o cuidado adequado e exigível, desatendendo-se as particularidades em pauta. Ao final sempre o Estado dará sua solução, talvez rápida, mas nunca justa.

Prosseguindo na metáfora, a função de apenas recolher corpos depois de explosões, sem identifica-los ou questionar o porquê da detonação, é o mesmo que fazer de conta que se faz alguma coisa enquanto coisa nenhuma é feita.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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