Seu nome é Johnny



Johnny “Madoff” da Silva não possui imóveis. Inexistem registros de carros em seu nome, cartões de crédito não o têm como cliente, Johnny sequer é titular de conta-corrente em banco.

Mas ele circula em uma camionete de trezentos mil, é assíduo na coluna social, habita um belo sobrado em rua próxima ao Iguatemi. Freqüenta os melhores restaurantes, degusta as safras mais exclusivas, esquia em Aspen e veleja no Mediterrâneo.

Semana passada, Johnny comprou cinqüenta mil em móveis para o seu jardim. Pagou com um cartão de crédito emitido por banco estrangeiro. Quando o vendedor perguntou o endereço, informou o de um amigo. Johnny não deixa pistas.

É traficante? Não. Falsário, assaltante, assassino? Não, não e não. Johnny é um devedor milionário.

Enganam-se os que pensam que a personagem Johnny não existe na vida real. Existem milhares de Johnnies nas grandes capitais, em versões um pouco menos sofisticadas do que a persona retratada acima. Desprovidos de bens em seu nome, auferem rendas de desconhecidas origens. Não raro forjaram fortunas a partir de grandes passivos, indiferentes à sorte dos credores, legando à sociedade mais um escândalo, esquecido pelo advento do da semana seguinte. Na maioria das vezes, entretanto, auferiram uma bolada como resultado de uma sucessão de pequenas patifarias, e respondem a dez ou quinze processos que, bem administrados, vão tramitando, tramitando, tramitando... Paralelamente ao expediente lícito de fazer usos dos vários recursos que eternizam uma demanda judicial, há a prática ilegal de blindagem patrimonial: transferem-se bens para terceiros, opera-se no mercado financeiro por prepostos, utilizam-se cartões de crédito expedidos por bancos situados em paraísos fiscais. Às vezes um ou outro Johnny desaparece misteriosamente, mas como regra geral eles vêm vicejando no país na exata proporção em que os meios legais de cobrança se perdem nos complexos meandros da ritualística processual.

O mantra é conhecido, de maneira que só vale repeti-lo superficialmente: abundam recursos e expedientes jurídicos os mais diversos, é escasso o número de auditores e procuradores para investigar e coibir fraudes no que tange aos créditos públicos, são deficientes os meios disponíveis para localizar e gravar patrimônio no que concerne aos créditos privados. Some-se a isso uma estrutura judicial que atua no limite, em parte devido à extrema litigiosidade vigente em nosso meio social.

A esta litigiosidade contrapõe-se uma outra palavra, bastante parecida: a licenciosidade. Tornamo-nos uma sociedade condescendente demais com a fraude, com condutas desleais, com o abuso em seus diversos matizes. Tolera-se demais, sanciona-se de menos: a confiança nas instituições decai rapidamente.

Mas há uma saída, uma porta entreaberta. A experiência nos ensina que as sociedades em geral submetem-se a um movimento pendular, cíclico. Passados quase trinta anos do final do regime militar, talvez estejamos já a caminho de um ponto de equilíbrio entre o autoritarismo que macula nosso passado e a extrema permissividade que tumultua e inquieta o presente.

Enquanto esperamos o pêndulo definir sua trajetória, Johnny lê o jornal à beira da piscina de um hotel de luxo, e comenta com a namorada o absurdo do atraso no pagamento dos precatórios...

Marcel Citro de Azevedo é juiz federal



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