Devagar com o andor



Há notícias que, não devidamente contextualizadas, autorizam interpretações equivocadas a respeito dos fatos e suas conseqüências. Por precipitação, má-intenção ou desinformação, transformam-se falácias em verdades incontestáveis.

O Poder Judiciário, especialmente por que ainda não aprendeu a dialogar com os meios de comunicação – o que é extremamente difícil, já que a desejada ponderação judicial não se coaduna com o que Caetano Veloso designou por “contexto apressado do jornalismo” –, normalmente é alvo dessas incompreensões. Um exemplo.

Notícia da semana anterior: Lei Maria da Penha rende mais de 150 mil processos, mas somente 2,4% deles resultam em condenação. Pronto! Dirigem-se os holofotes para a ineficácia da Lei e para morosidade do Poder Judiciário. Devagar com o andor que o santo é de barro!

Obviamente que a Lei apresenta problemas. Como toda e qualquer obra humana. Entretanto é preciso questionar se essas restrições decorrem do próprio diploma legal ou em decorrência de limitações interpretativas. E não é preciso ser especialista na matéria para que se incline pela segunda hipótese, afinal a Lei sequer completou dois anos, pois é de agosto de 2006.

A idade da Lei, aliás, já é indicativo do número reduzido de condenações. O Direito Penal orienta-se pelo inarredável princípio da anterioridade. Por mais condenável que seja determinada conduta, somente é considerada crime, com os consectários legais que lhe são próprios, a partir da lei respectiva. Antes disso não deve haver punição.

Embora a Lei Maria da Penha discipline questões processuais e protetivas, e somente circunstancialmente de medidas penais, ainda assim as condenações proferidas com base nela somente poderiam ser proferidas a partir de agosto de 2006. Além disso, com o objetivo de desestimular agressões contra as mulheres, sob outro viés, encorajou reclamações de mulheres que antes não se dispunham a tal atitude por se entenderem desamparadas pelo Estado. Daí o significativo número de processos.

A notícia de alguma agressão, contudo, não importa na imediata condenação do agressor. É necessário instaurar o processo para apurar o que efetivamente aconteceu e, acaso comprovada a agressão, ser aplicada a sanção prevista em lei. Disso se extrai duas considerações. Primeiro, qualquer processo, por mais singelo que possa parecer, demanda tempo em razão da prática de diversos atos. Segundo, não haverá identificação numérica entre a totalidade dos processos e as condenações, pois haverá absolvições pela não comprovação ou inexistência do crime.

Essas ponderações querem afirmar que tudo corre às mil maravilhas? De forma alguma! Só querem transmitir que é preciso mais tempo, informações e reflexões sobre a eficácia social da Lei Maria da Penha.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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