Não pegou



O Ministério da Saúde apresentou informações decepcionantes acerca do consumo de bebidas alcoólicas por motoristas de veículos automotores. Segundo pesquisa, os índices de consumo atuais são semelhantes àqueles anteriores ao advento da chamada ‘Lei Seca’.

A decepção está relacionada, entretanto, à ausência de qualquer consideração e respeito por parte dos motoristas embriagados. Por conta de forte aparato midiático, esperava-se que os condutores se conscientizassem e, independentemente das consequências legais associadas ao consumo, evitassem beber antes de dirigir. Se o empenho de entidades, cuja missão é alertar para essa perigosa associação, não tem sido em vão, infelizmente não tem alcançado a amplitude necessária.

No que tange à Lei propriamente dita, por seu espírito mais draconiano e autoritário do que propriamente educativo, era fácil prever que, sem fiscalização, cairia no vácuo. E a previsão não estava errada. Depois do estardalhaço propagandístico – em que a par daqueles realmente preocupados com o morticínio no trânsito, colocaram-se os outros sempre preocupados em angariar algum tipo de vantagem, especialmente eleitoral –, quando a fiscalização se realizava a fórceps, retornando esta a sua habitual frequência, o quadro é este: mais uma lei que não pegou.

Não bastasse admitir o fracasso legal, o pior é constatar a alegria de alguns irresponsáveis cuja sabedoria se resume na fórmula do ‘não dá nada’. Ou seja, ao mesmo tempo em que a ‘Lei Seca’ não alcançou os objetivos para o qual se apresentava, ainda estimulou a chacota por parte dos imbecis.

A ‘Lei Seca’ foi extremamente restritiva, inclusive desbordando de limites constitucionais, e de aplicação incerta em algumas hipóteses. Limitou-se a repetir o freqüente equívoco praticado por nosso legislador: aumente-se a repressão que o problema diminui. Então não custa reiterar o discurso contrário a essa filosofia. Não adianta aumentar a pena frente à incerteza de sua aplicação. Se a política é desestimular o motorista irresponsável, a lei pode prever prisão perpétua – perdoem o exagero, a Constituição não autoriza esse tipo de pena, mas o absurdo do exemplo apenas denota o absurdo do sistema –, se o sujeito tem a convicção de que mesmo conduzindo embriagado não será descoberto pela autoridade de trânsito, permanecerá adotando quase despreocupadamente essa conduta.

O problema, aliás, não é legal, está relacionado à educação. Os motoristas não estão sendo educados adequadamente. Grande parte não consegue compreender que o trânsito não é uma extensão da sua casa, mas local público onde transitam terceiros que podem ser afetados pela sua imprudência.

Perde-se também a oportunidade de se aprender com os erros. Não dando certo as medidas em questão se deveria partir para a implementação de outras. Mas não! Tirando os denodados de sempre, os aproveitadores de plantão estufam o peito e declaram que a fiscalização é problema das polícias rodoviárias, não deles que engendraram algo fadado ao insucesso.

A ‘Lei Seca’ não pegou. O que continua pegando é o álcool na cabeça dos motoristas irresponsáveis. Para tragédia dos que não tem nada a ver com isso e infelicidade daqueles que realmente se preocupam com a questão. E para alegria dos discursos vazios dos que de alguma forma ganham com isso.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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