Dolorosas verdades



Pelo menos nessa legislatura o Congresso Nacional se tornou um local de faz-de-conta. Claro que longe do país das maravilhas, embora não dispense mágicos castelos que povoam as imaginações infantis.

Por exemplo, deixa ao Executivo, por meio das medidas provisórias, o ato constitucional de legislar. Brinca de órgão investigativo e julgador através das comissões parlamentares de inquérito, as quais freqüentemente terminam com bolo de festa, cujos deliciosos pedaços são servidos após generosas fatias de pizza.

Os desdobramentos são ainda mais fantasiosos quando se trata da responsabilização de alguns de seus integrantes por desvios de conduta. O corporativismo é o grande enfeite, colocado sobre qualquer conteúdo ético que porventura insista em prevalecer, asfaltando o merengue que conduz ao completo descontrole público de uma função que deveria se voltar ao interesse comunitário.

Essa fantasia lúdica agrada à indisposição dos eleitores pelas questões políticas, permanecendo mais interessados nos reiterados escândalos na mesma proporção em que voltam suas atenções ao desfecho das novelas globais. Ontem a compra de votos, hoje a farra das passagens aéreas, amanhã, quem sabe? Caixa dois? Dinheiro em roupas íntimas? Não, isso é do tempo da carochinha. Esperemos por coisas mais criativas.

Nesse cenário de fadas, duendes e carruagens de abóbora, talvez, por mais incrível que possa parecer, as declarações do deputado federal Sérgio Moraes, conforme noticiado pela imprensa, possam causar um desejável sacolejar em nosso atávico desinteresse pelas questões públicas.

Óbvio que o conteúdo das afirmações do congressista é de uma infelicidade invulgar. Porém, o que importa foi seu arrojo ao falar o que a maioria dos deputados gostaria de exprimir, mas não o faria sob qualquer circunstância. Discursariam publicamente por punição ao colega fã de Walt Disney, mas certamente, nos bastidores, trabalhariam pela impunidade. Sérgio Moraes não. É sincero por admitir que o fato de o sujeito ser proprietário de um castelo, sem comprovação de rendimentos para tanto, é assunto que não interessa ao populacho.

Indiscutivelmente há um dado preocupante nessa história. Ou o deputado diferencia-se dos seus pares pela coragem individual, ou a galera legisladora perdeu de vez a vergonha e vai passar a admitir perante o respeitável público suas ações, manobras e falcatruas. A última hipótese, todavia, é improvável.

Por isso se deve extrair uma lição importante dessa autêntica assombração. Está mais que na hora de sabermos exatamente em quem elegemos. Basta de maquilagens e discursos decorados que tornam qualquer imbecil um grande defensor dos interesses públicos. Nos tempos em que voto secreto e eleição de líderes orientam as ações dos congressistas, está aí um sinal de que é necessário exigir muito mais transparência.

O que isso tem a ver com o mundo jurídico? Ora, num estado que se auto-intitula ‘democrático de direito’, com interesse em efetivar direitos fundamentais no âmbito de realização de uma democracia satisfatória, por certo que o adequado funcionamento do Congresso deve interessar a todos os cidadãos.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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