Papagaio Impopular



O substantivo ‘papagaio’ apresenta diversas acepções, longe de se limitar à designação da famosa e bela ave nativa. Entre outros, detém um significado popularmente utilizado com relação ao sujeito que, embora se reconheça devedor, utiliza um papagaio para protelar o pagamento da sua dívida.

Pobre credor. Mais que postergar a satisfação do seu crédito, o papagaio se presta, na maior parte dos casos, como eufemismo de um pagamento que jamais ocorrerá. O célebre personagem Vadinho, da obra ‘Dona Flor e seus Dois Maridos’ de Jorge Amado, comumente utilizava esse expediente. Morreu fisicamente e voltou espiritualmente para os braços da sua amada esposa e seus papagaios permaneceram íntegros, assim como impagáveis as dívidas que representavam.

Mas longe de se ater às narrativas ficcionais, o papagaio aparece freqüentemente no curso das relações sociais. Especificamente no Brasil, então, nem se fala! Afinal, em terra onde a malandragem, mais do que aceita, é estimulada, o papagaio é por excelência o instrumento do esperto embromador.

Apesar de nossa cultura social estar permeada por essa lamentável e desrespeitosa orientação de botequim, esperava-se das autoridades públicas posturas não condizentes com a celebração da malandragem. Não se chega ao cúmulo do desavisado de acreditar que essas mesmas autoridades estejam menos preocupadas com seus interesses pessoais. Mas como consideram o patrimônio público como território de ninguém, é estranha a extrema cautela que mantêm com o pagamento das dívidas do erário.

Em verdade, dada a folha corrida de nossas autoridades legislativa no que se refere à defesa de benefícios pessoais – e nesse propósito basta exemplificar com a farra das passagens aéreas – parece que a cautela diz respeito mais com a salvaguarda dessas injustificadas vantagens do que propriamente com o patrimônio público.

Resulta, portanto, censurável a pretensão de aplicar um papagaio nos legítimos e reconhecidos credores dos cofres públicos. Contudo é disso mesmo que trata a chamada PEC dos Precatórios, proposta pelo paladino dos interesses sociais, Senador Renan Calheiros.

Essa preciosidade tem por objetivo que a Constituição Federal autorize lei complementar a vincular o pagamento de precatórios à receita líquida do orçamento do ente público. Enquanto a lei complementar não vem, a PEC insere artigo no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias com essa finalidade. Assim, Estados e Municípios observarão limites de pagamento, os quais não poderão ser ultrapassados, mesmo que a dívida do cidadão permaneça ativa. Além disso, ao invés dos atuais dez anos para pagamento, estende para quinze o prazo de parcelamento.

Em síntese, a Proposta de Emenda Constitucional n. 12/2006, acaso promulgada – já foi aprovada em dois turnos no Senado e encontra-se sob exame pela Câmara dos Deputados – consagrará, definitivamente, o papagaio oficial.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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