O impensável e o impensado



Em nosso presidente viceja uma autoconfiança extraordinária: ele fala sobre qualquer coisa, em qualquer hora, lugar ou situação. Não é à toa que, não obstante sua enorme popularidade, tem sido crescente a repercussão negativa de seus comentários e declarações. Algumas são cômicas ( “a grande maioria de nossas importações vêm de fora do país”), outras grosseiras (“ as negociações comerciais entre países ricos e pobres na OMC estão próximas de "encontrar o 'ponto G' ” ) e outras escancaradamente inapropriadas ( “ o Putin ficou meio ‘putin’ com o Brasil) Neste grande rol de ditos infelizes, junho passado foi particularmente pródigo: depois de esculhambar com os opositores do regime teocrático do Irã e afirmar que o presidente do Senado não podia ser tratado como pessoa comum, Lula declarou que no âmbito do programa “Território da Paz”, que lançou em Porto Alegre, o brigadiano “ vai aprender a usar o cassetete e o revólver, mas também vai aprender a usar a educação”, para acrescentar que o policial “bate, principalmente se a pessoa é negra”.

Ora, a declaração padece do mesmo mal do que aquela, frequentemente repetida, pela qual “o gaúcho é arrogante e autoritário” e nutre “ambições separatistas”. De tempos em tempos este discurso aparece, seja implicitamente, na voz dos narradores de partidas de futebol ( que nem tão implicitamente torcem para os times do centro do país), seja de maneira explícita, como no discurso de um desembargador paulista que, criticando uma linha de pensamento jurídico intitulada Direito Alternativo, ironizou nosso estado, em uma sessão do TRE de São Paulo, dizendo tratar-se de “uma maravilha” e lamentando não termos nos separado do resto do país quando da Revolução Farroupilha. Já se escreveu bastante sobre este assunto, mas a vaga sugestão de agressão ao pacto federativa soa impensável para quem defende a Constituição no dia-a-dia.

Ninguém duvida que somos um pouco diferentes. Chamamos ladeira de lomba, brigadeiro de negrinho e a polícia militar de brigada. Possuímos um orgulho cívico maior do que a média, e tocamos nosso hino com mais freqüência do que os demais estados do Brasil. Mas somos tão brasileiros quanto o maranhense Sarney ou o pernambucano Lula da Silva. Tanto que nos engalfinhamos durante décadas com uruguaios e argentinos para manter brasileira esta vasta fronteira meridional.

E, voltando para a declaração do presidente sobre a Brigada: afirmar que todos os brigadianos são violentos e mal-educados traduz uma generalização incorreta e desrespeitosa para com a centenária instituição da Brigada Militar. É claro que houve erros, erros lamentáveis, por vezes criminosos (quem não se lembra do tristemente célebre caso do “Homem errado”?), mas abarcar no mesmo gesto acusador milhares de policiais que diuturnamente arriscam-se pela sociedade em troca de reconhecimento mínimo e soldos defasados é uma conduta que não condiz com a posição de um chefe de Estado.

Não é fácil ser policial militar: enfrenta-se uma disciplina rígida, o risco do tiro a todo o momento (há pouco morreu em ação mais um PM, em Tramandaí), equipamentos obsoletos e agora, mais recentemente, o violento surto das vítimas da epidemia de crack. Sim, é a Brigada Militar a vanguarda na luta contra os efeitos devastadores desta droga: quem é chamada quando um viciado agride os avós com uma barra de ferro por cinco ou dez reais?

É claro, temos que ser condescendentes com Lula, ele não pôde estudar. É o homem que veio de Garanhuns, o presidente-operário,” o cara!” como já exclamou o Obama. Mas ele também deve ser condescendente com o brigadiano médio – aquele que não faz parto em viatura ou salva criança de incêndio, mas procura cumprir seus deveres da melhor forma possível. Lula é desenvolto, inteligente, tem bom coração. Todavia, talvez porque sua mãe tenha “nascido” analfabeta, como já declarou certa vez, também não aprendeu algo que nós, gaúchos, costumamos ensinar a nossas crianças desde a tenra idade : é preciso pensar um pouco antes de abrir a boca.

Marcel Citro de Azevedo é juiz federal e associado da
Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul



ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO RIO GRANDE DO SUL
Rua Manoelito de Ornellas, 55, Trend City Center - Torre Corporate, sala 1702, Praia de Belas - Porto Alegre, RS, CEP 90110-230.
(51) 99965-1644
ajufergs@ajufergs.org.br