Futebol e civilização



Terminou mais um Gre-Nal. Um clássico do futebol brasileiro que provoca fortes emoções nos gaúchos. E que completou um século. Motivo para comemoração? Sim. Jogos inesquecíveis, atuações memoráveis, craques insuperáveis marcaram de forma indelével a história futebolística do nosso Rio Grande. Mas também há muito a ser lamentado.

Os que me conhecem sabem da minha preferência clubística. Sou gremista, com muito orgulho e alegria, desde que me conheço por gente. Comecei a freqüentar estádios de futebol com sete anos de idade. Desde então o clássico faz parte da minha vida. Não houve algum sobre o qual não tenha me interessado. Estivesse ou não em Porto Alegre, fosse ou não aos estádios.

Contudo sou freqüentemente acometido de certa nostalgia. O clássico do presente não é o mesmo do passado. Claro, mudaram as táticas, os jogadores, os dirigentes, os árbitros e muitos dos torcedores, o que é muito natural ao longo de cem anos. Mas o que dá saudades é a possibilidade de convivência pacífica de gremistas e colorados, num dia de clássico, no interior do estádio onde ele se realiza ou pelo menos em suas proximidades.

Sou do tempo em que, residente no bairro Santo Antônio, ia a pé ao Olímpico, passando pela Avenida Carlos Barbosa, por onde os colorados ingressavam no estádio. Transitava por ali tranqüilo. No máximo o que hoje se considera uma ingênua provocação. Uma brincadeira. Uma piada. O mesmo com o torcedor do Inter que provinha do setor das sociais dos gremistas. Cansei de chegar nos estádios com amigos colorados, todos com suas camisetas e bandeiras.

Hoje isso é praticamente impossível. Os torcedores se encontram no seu clube para então serem conduzidos ao estádio do adversário. Pela Brigada Militar. Assim é por que desaprendemos a torcer. A rivalidade tornou-se ódio. A provocação, violência. A piada, agressão.

Os imbecis que causaram e ainda insistem em causar essa lamentável situação poderiam ser identificados, sofrendo as conseqüências legais, mas contam com a complacência de todos. No fim, estamos todos envolvidos, uma pequena minoria por ação, a grande maioria por omissão, e quem perde é a coletividade.

O direito já foi convocado a tentar corrigir essas práticas. Foi vedada a comercialização de bebidas alcoólicas no interior dos estádios e instalados juizados especiais no intuito de penalizar com rapidez os encrenqueiros. Mas apesar de medidas elogiáveis e mesmo indispensáveis não são suficientes para resolver o problema.

Obviamente que essa violência não se limita aos Gre-Nais. Não há clube que sobreviva incólume. Mas pela importância do clássico, que invariavelmente chama a atenção de todo o Brasil, talvez pudéssemos ensinar algo aos demais brasileiros: que além de praticarmos um futebol competitivo – não gratuitamente estão aqui dois campeões mundiais – somos também um exemplo de civilidade no futebol. Não podemos nos esquecer que, do outro lado, no campo “inimigo”, estão alguns dos nossos amigos e familiares, e que a grandeza de ambos os clubes somente se construiu por conta de saudável e respeitosa rivalidade.

Quiçá um dia possamos freqüentar um clássico onde o respeito mútuo predomine. Para tanto não são necessárias intervenções jurídicas, mas a conscientização de todos os envolvidos. Aliás, como boa parte das situações da vida, as quais infelizmente acabam resultando em conflitos.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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