Mentiras, verdades ou um pouco de cada
Pouco antes do inÃcio da Segunda Guerra Mundial, oficiais poloneses foram dizimados por forças soviéticas. Durante longo tempo atribuiu-se aos nazistas a autoria do ocorrido. Inverdade que serviu à propaganda dos aliados. Mesmo depois de vitoriosas, durante algum tempo, as demais potências omitiram essa verdade, pois ela servia aos interesses geopolÃticos em questão. Somente com a Guerra Fria é que o fato, como efetivamente ocorrido, foi conhecido.
Se para desdobramentos históricos tão relevantes o homem costuma relegar a verdade, por motivos os mais variados possÃveis, imagine-se com relação à s informações mais comezinhas. Disso se extrai o relevante papel exercido pela imprensa livre. Sem ela não há democracia, visto que sua atuação permite esclarecer as verdades. Por conta disso é que a imprensa deve dispensar a cautela necessária sobre todas as informações disponibilizadas ao público. Do contrário, por outras vias, estará se portando da mesma forma que os interessados em manter a verdade ocultada.
Trabalhemos com exemplo concreto. A imprensa tem noticiado que o Congresso Nacional discute proposta de ‘aumentoÂ’ dos subsÃdios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Porém, de ‘aumentoÂ’ não se trata. Aumentar importa adicionar algo que naturalmente não pertencia ao objeto. É diferente de reajuste. Este se presta à reposição de perdas. Não se ganha absolutamente nada, apenas se recompõe prejuÃzos passados. Num hipotético cenário, onde inexiste inflação, certamente que conceder uma majoração de cinco por cento a alguém importa em aumento. Todavia não vivemos num cenário hipotético. Longe dos dramáticos perÃodos em que a desvalorização da moeda brasileira era quase diária, fato é que ainda se observa a corrosão do seu poder de compra. Isso é inegável. Portanto, se, em determinado perÃodo, a inflação anual foi de dez por cento, o salário de janeiro de um ano, comparado com o do ano anterior no mesmo perÃodo, embora nominalmente o mesmo, perdeu seu poder de compra nos mesmos dez por cento. Ora, se esse vencimento é majorado em dez por cento, certamente de aumento não se cogita, mas sim de reposição ao poder de compra do assalariado.
Embora óbvio o argumento, insiste-se na idéia de que os subsÃdios dos magistrados serão aumentados. Pura inverdade. Não serão aumentados, mas reajustados.. E mesmo assim, parcialmente. Sem ter os vencimentos reajustados desde janeiro de 2006, sequer o Ãndice proposto pelo Supremo Tribunal Federal alcança os indexadores inflacionários medidos no perÃodo de quase quatro anos.
Em democracia, é apropriada a discussão sobre os subsÃdios dos agentes públicos, especialmente pela imprensa. Mas sem demagogia ou oportunismo. Não é legÃtimo tratar alhos por bugalhos, desrespeitando o cidadão que tem o direito de conhecer as despesas públicas. Ou será que a ausência de esclarecimento é conveniente para alguém, como em algum momento o foi para soviéticos, norte-americanos, ingleses e franceses?
Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS