Igualdade e demagogia



O princípio da igualdade constitui meta essencial de qualquer sociedade democrática. Mas alcança-lo é uma das tarefas mais difíceis de qualquer sociedade. E talvez a maior dificuldade não esteja em sua implementação prática, mas em sua própria definição.

Atribui-se a Aristóteles a formulação da idéia de que se deve tratar de forma igual os iguais e desigual os desiguais. Certamente que se trata de axioma muito abrangente, longe de vencer a dificuldade antes salientada. Quem são os iguais? E os desiguais? Quais são os critérios para estabelecermos uma situação de igualdade?

Apesar das dificuldades de caracterização do princípio da igualdade, ainda assim sempre há um espertinho disposto a obter alguma vantagem com sua referência, o que é muito mais frequente do que se imagina. Não raro há algum demagogo de plantão disposto a defender soluções de igualdade partindo de premissas completamente diferentes.

Tramita no Senado Federal projeto de lei complementar com o objetivo de terminar com a prisão especial para juízes (PLS 151/09). Pode haver outros fundamentos, mas o principal que justifica o projeto é a observância do princípio da igualdade. Ora, como pode o juiz criminoso gozar o privilégio da prisão especial, enquanto os demais condenados estão recolhidos a prisões insalubres, para dizer o mínimo?

Claro que se considerarmos os juízes como meros detentores de arcaicos privilégios e não agentes comprometidos com o desenvolvimento do estado democrático de direito o projeto poderia ser acertado. Mas não o é, pela simples razão de que a prisão especial configura garantia da própria independência do juiz. Basta pensarmos que o responsável pela condenação de alguém é sempre um magistrado. Na hipótese de ele praticar um delito deverá permanecer preso juntamente com aqueles que porventura condenou? É preciso salientar que não se preconiza qualquer imunidade ao magistrado que pratica um crime, mas apenas tratamento diferenciado quando da prisão, e isso não por conta da sua pessoa, mas pela natureza do cargo que exerceu. Pensemos nos policiais ou nos promotores de justiça. As atividades que exercem também não exigem esse cuidado?

Será que o douto congressista proponente não sabe que existe um código prisional que exige, por exemplo, a morte ou agressão do estuprador, e que por essa razão é ele colocado em locais diversos dos demais presos? E não será cabível esse tratamento? Ou deve ser autorizada a morte ou agressão do estuprador sob os cuidados do estado?

Há situações limítrofes da vida em que alguém em condições excepcionais poderá cometer um crime. Um juiz acometido de forte emoção pelo estupro recente de sua filha criança é capaz de assassinar o estuprador. E deve ser punido por essa prática. Mas deve partilhar da mesma cela que os demais criminosos que condenou? Ou o juiz deve temer condenar alguém exatamente por supor essa hipótese?

Ao invés dessa postura demagógica, inútil e injustificada o ilustre congressista deveria era se preocupar com as péssimas condições dos presídios. E, a propósito, será que ele gostaria de partilhar o espaço com algum preso que soubesse ter sido ele, congressista, o autor da lei que determinou a prisão do seu companheiro de cela?

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO RIO GRANDE DO SUL
Rua Manoelito de Ornellas, 55, Trend City Center - Torre Corporate, sala 1702, Praia de Belas - Porto Alegre, RS, CEP 90110-230.
(51) 99965-1644
ajufergs@ajufergs.org.br