Entre suspeitos, sempre há inocentes



Helicóptero policial abatido por bandidos parece coisa de filme norte-americano. Não é. É cena da realidade brasileira. Claro que incomum. Não é todo dia que acontece. Ainda assim é muito preocupante.

Primeiro por que o respeito pelas autoridades, com exceção daquelas que não merecem ser respeitadas por abusos corriqueiros, há muito parece coisa do passado. Naquilo que é legítima e razoavelmente ordenadora de uma sociedade pretensamente pacífica, termina sendo prejudicada. Isso quando não inviabilizada a própria construção de uma sociedade solidária e plural. Aqui o problema apresenta raízes profundas, de ordem especialmente cultural. Descarta qualquer abordagem superficial.

Depois por que o poderio de fogo dos traficantes cariocas ao que tudo indica supera o das instituições policiais. Ademais, essa realidade, embora bastante visível no Rio de Janeiro, não está confinada a essa localidade. Há indícios de que organizações criminosas do centro do país já atuam por estes pagos. O problema é pontual e conjuntural. Sem dúvida de difícil resolução, mas ainda assim permite respostas mais rápidas que o primeiro problema.

O que fazer? Soubesse alguém a receita e provavelmente já estaria milionário com a franquia da solução. Mas decerto há algumas medidas, financeira e politicamente factíveis, que podem contribuir com pelo menos a diminuição da criminalidade.

Uma delas é fazer com que o Estado estenda seus braços a setores da sociedade amplamente desatendidos. É nesse vácuo estatal que o tráfico atua mediante suprimento de carências básicas. Sem saúde ou educação, famílias podem contar com o medicamento que algum dos seus integrantes necessita solicitando-o ao “movimento”, enquanto jovens sem perspectivas à vista são cooptados como “soldados”. É exatamente aí que o crime ganha força, atuando como “estado paralelo”, no espaço não ocupado pelo Estado social.

No mesmo contexto, o Estado precisa preparar seus policiais para atuação de forma técnica, não arbitrariamente. Mais que isso, estimular a imagem de que a polícia atua em favor da sociedade, o que exige profunda mudança de paradigma. Francamente utilizada como mecanismo de repressão social, o Estado precisa interferir severamente para que a polícia tenha exatamente finalidade social. As comunidades precisam identificá-las como serviços a sua disposição, não como inimigos.

No cenário atual, de ânimos exaltados, parece inviável esse tipo de realização. Que deveras não é de fácil implantação ninguém está disposto a discutir, mas impossível não é. Se há quase que consenso político pela conquista da realização das Olimpíadas, e recursos para tanto, não é na proteção da sociedade que o Estado deve falhar. E apesar das dificuldades, é imprescindível para evitar o descontrole, seja ele dos criminosos ou das próprias polícias.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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