Terra, assunto de todos (II)



Os dados do IBGE apresentados neste espaço, na semana anterior, autorizam afirmar que o ‘agrobusiness’ é uma falácia? A resposta é terminantemente negativa. Não há como prescindir seja do ‘agrobusiness’ ou da agricultura familiar. O que é preciso ser afirmado é que ambos são importantíssimos para a economia do país, e que é necessário adotar políticas que permitam o aprimoramento tanto de um quanto do outro. Não são modelos antagônicos, mas estruturas que se complementam.

Transposta essa constatação à realidade do campo, é autorizado dizer que a luta dos pequenos agricultores não é contra os grandes produtores. É antes uma luta interna na seara própria de cada setor. É dos pequenos agricultores com o estado, por restarem normalmente desamparados, e dos grandes produtores contra aqueles que assim se qualificam e nada mais fazem do que relegar largas extensões de terra à condição de feudos sem qualquer compromisso social.

Identificados os problemas no âmbito de cada setor, nada obsta que os grupos, a princípio considerados incompatíveis, atuem como uma única força em busca da superação dos obstáculos de cada qual.

Se a agricultura familiar é ainda tão relevante no âmbito da produção, não deve ser abandonada, mesmo por que desempenha papel crucial no que diz respeito ao emprego da mão-de-obra. Porém precisa ser encarada com maior seriedade. Parece óbvio que não basta assentar agricultores sem assegurar mecanismos que os capacitem à produção. Mesmo no âmbito da agricultura familiar, há um mínimo exigível de compreensão de novas tecnologias e métodos de produção, devendo ser assegurado o acesso aos mesmos. Incrivelmente há quem esqueça que da terra nada nasce se não houver o cultivo adequado, e este não exige apenas trabalho de sol a sol. Ao se desconsiderar esse fato, permite-se a continuidade da perniciosa engrenagem que alija pequenos agricultores da produção, concentrando a terra nas mãos de alguns poucos, paradoxalmente, nas daqueles que em nada contribuem para o sucesso do empreendimento agrário.

De outro lado, as atividades que efetivamente contribuem com a produção devem ser estimuladas. Deve-se admitir que propriedades improdutivas não apenas impedem o desenvolvimento da produção, mas também prejudicam aqueles empenhados nesse objetivo, ao tornar desigual a partilha, entre quem produz e quem não o faz, não apenas dos benefícios que deveriam ser destinados somente aos primeiros, como também do elevado custo social decorrente da inércia ou inaptidão dos segundos.

O tema em pauta está diretamente relacionado ao que a Constituição Federal institui como ‘função social da propriedade’. E disso, mais cedo ou mais tarde, ninguém vai escapar. O ideal é que as forças produtivas naturalmente componham e apresentem soluções viáveis aos problemas no campo, não deixando ao Poder Judiciário que os resolve, por vezes, de forma dramática.

Tudo isso parece um tanto quanto óbvio. E de fato o é. Porém o óbvio deve ser dito e repetido, senão para não se apresentar como verdade, pelo menos em substituição às inverdades correntes.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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