Dr. Gerson Godinho da Costa



Com a queda do Muro de Berlim, fato histórico representativo do desmantelamento do regime comunista, propagaram-se discursos e teses a respeito do epílogo definitivo das utopias.

Normalmente associadas às concepções marxistas, falido o comunismo, as utopias estariam relegadas ao passado. Entretanto, muitos vocábulos estão em permanente mobilidade, amoldando-se às variações culturais para abarcar novos significantes. É o caso da utopia. Não quer ela significar apenas o irrealizável, pelo menos até o presente momento histórico, sonho comunista. Pode sim representar aspirações outras, de conteúdo diverso ao do econômico, que inicialmente se mostrem impraticáveis. E se esse objetivos se mostram contemporaneamente fantasiosos, no futuro podem se concretizar. Portanto nada impede a realização de ações para que um dia esse sonho venha a se realizar. Podemos plantar e semear esperanças cujos frutos possam ser colhidos por gerações futuras. Utopia para nós, pode ser realidade para elas.

A Constituição Federal contém um registro que pode ser considerado utópico. Consagra como seu objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Sob o aspecto social, vemos que a justiça é pouca e a solidariedade mais escassa ainda, o que faz com que muitos acreditem que não possamos viver para assistir a concretização desse ideal. Não significa isso, porém, que devamos abandonar as ações dirigidas à superação das mazelas sociais, pois elas podem servir a que nossos filhos, netos ou bisnetos vivam numa nação onde esses ideais estejam concretizados. Por conta das utopias, gerimos a responsabilidade que mantemos para com nossos descendentes.

Diante de mais um escândalo envolvendo políticos profissionais, notamos o quanto é necessária a utopia. Entra governante sai governante, entra partido e sai partido, e a novela tem sempre o mesmo enredo. Está aí o “mensalão”. Noticia-se que três dos maiores partidos do país não escaparam à sua sanha. PT, PSDB e DEM estão diretamente envolvidos, com o auxílio de algumas agremiações nanicas que existem apenas para efetivar falcatruas, enquanto o PMDB, com sua inerente maleabilidade, ressalvadas as minorias de sempre, parece fazer de conta que nada é problema dele.

Como essas chagas éticas se sucedem quase que diariamente, nada melhor do que nos socorrermos da utopia. Ela é capaz de estimular a esperança de que um dia possamos nos livrar dos sanguessugas do patrimônio público e agentes da imoralidade infinda. Ela permite pensarmos que um dia nossa cultura, desde sempre orientada pela extrema flexibilidade dos padrões éticos, possa se transformar para não mais admitir o retorno à vida pública de alguém envolvido com violações de sigilo.

Pelos problemas atávicos existentes desde o início da formação da sociedade brasileira, francamente inspirada na malemolência geral no trato da coisa pública, somos inclinados a acreditar que não há de fato solução. É aí que deve entrar a utopia. O alimento para que prossigamos nessa marcha por mudanças concretas. Sem utopia não temos o combustível necessário para lutar por transformações. E destas não podemos prescindir.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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