Carta aberta ao Papai Noel



Na semana que passou o nobre deputado federal piauiense Paes Landim declarou à imprensa de Brasília que devem ser criados mecanismos que obriguem os juízes a trabalhar mais.

Puxa vida, deputado! Eu pensei que estava trabalhando bastante. Veja o senhor que julgo em média de cento e cinqüenta a duzentos processos por mês. Claro que com o prestimoso auxílio dos meus assessores. Sem eles não seria possível. Ainda assim creio que trabalho bastante. E olha que não me considero dos mais produtivos. Compreenda o senhor que o trabalho dos juízes é intelectual. Portanto, mesmo quando não estamos no fórum, permanecemos pensando em soluções para os casos que nos são apresentados. Já foi o senhor num jantar ou mesmo num informal bate papo entre juízes? Acredito que não. Se fosse, o senhor veria como é chato. Invariavelmente a conversa é sobre o que fazer com o caso tal, etc.

Não estou afirmando que a profissão é ruim. Pelo contrário. Mas dizer, mesmo que indiretamente, que os juízes trabalham pouco revela, no mínimo, desconhecimento. Não precisa ser ao pé do ouvido o que lhe passo a dizer, deputado. O senhor deve sabê-lo. Há juízes que trabalham pouco. Por incapacidade ou falta de vontade. Mas com certeza não são encarados como exemplo. E convenhamos, deputado, toda e qualquer profissão tem esse problema. Inclusiva a sua, correto?

E se me permite, vou transmitir-lhe uma informação: no Brasil tramitam em torno de setenta milhões de ações. Uma ação para cada três brasileiros. Contadas as crianças. Já pensou, deputado, como é complicado encarar essa massa de trabalho. E o senhor já cogitou que talvez fosse melhor estudar as causas sociológicas e culturais de tamanha litigância e encontrar soluções nesse campo? Quem sabe não tem muito conflito que poderia ser resolvido de outra forma, sem a necessária intervenção do Judiciário? É provável que se o juiz se dedicasse a um número menor de demandas, o problema da morosidade que tanto lhe preocupa pudesse ser resolvido, ou pelo menos sensivelmente minimizado.

Ah! O senhor pode ajudar também! Basta fazer com que seus pares votem um punhado de leis que tratam de reformas processuais, as quais têm por objetivo justamente evitar a morosidade. Há tantos projetos por aí, deputado! Quem sabe não se institui uma Meta 2 no Congresso? Será que os senhores conseguiriam votar todos aqueles propostos antes do final de 2005?

Prezado deputado, pensei em escrever ao Papai Noel e pedir uma composição melhor do Congresso para o futuro. Mas acho que o Bom Velhinho vai me responder que não pode ajudar. Esse pedido está muito além dos seus poderes mágicos. E ainda deve me dar um puxão de orelhas afirmando que a responsabilidade é minha. Afinal, sou eleitor.

Pois é deputado. Mesmo trabalhando bastante, não estou resguardado de ouvir tolices. Então, estou com vontade de seguir seu infundado estereótipo e pedir ao Papai Noel para trabalhar menos. Assim eu posso me dedicar mais às questões políticas. Quem sabe ajudando a eleger quem realmente conhece os problemas coletivos e possa de fato apresentar soluções para os mesmos. É por isso que essa carta é dirigida ao Papai Noel, não ao senhor. Nessa época, só ele para atender milagres.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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