Celebrações e Consumo



Depois de iniciada a Primeira Guerra Mundial, no primeiro natal seguinte, num front europeu, os comandantes das forças alemã, britânica e francesa mais do que determinarem um provisório cessar fogo, autorizaram a celebração conjunta dos soldados. Fato histórico, com ampla comprovação documental. Típico exemplo do espírito natalino.

Entenda-se por espírito natalino a prática da solidariedade gratuita, a aderência irrestrita à paz entre os homens, naturalmente compreendendo o auxílio mútuo entre os homens, independentemente do credo, da etnia, da origem ou de quaisquer outras singularidades, e almas desarmadas, indispostas ao conflito.

O inusitado fato, que determinou a suspensão da carnificina – está prestes a completar um século. Obviamente de lá para cá muita coisa mudou. Uma é exatamente o espírito natalino. Parece que anda ausente. Claro que ainda há campanhas de arrecadação com o objetivo de ajudar aqueles socialmente desamparados. Na maior parte das vezes, contudo, servem mais como desencargo de consciência por parte daqueles que de alguma forma lucram com a desigualdade social, do que decorrentes da vontade genuína de solidariedade.

É possível argumentar que sempre foi assim. Não sei. Minha impressão é outra. E ficarei feliz se constatar que não passa de uma equivocada impressão. Mas quando se observa o trânsito cada vez mais violento, pessoas discutindo, quando não chegando às vias de fato, pela vaga de estacionamento em um shopping ou supermercado lotado, a impressão não parece ser tão inverídica assim. E as ceias com amigos, hoje substituídas por encontros superficiais regados a hectolitros de álcool.

Ou seja, não estamos mais nem mesmo nos permitindo fazer de conta que uma mensagem de paz pudesse prosperar. O Natal transformou-se, assim, como outros “dias”, como os “das mães”, “pais”, “crianças”, em simples comemoração comercial. Tudo se resume a presentes, consumo.

Pode-se pensar que solidariedade é termo transcendente, inalcançável, alheio à realidade cotidiana. No entanto não será surpresa se daqui por diante se fale dele de forma mais concreta. Inclusive, por incrível que pareça, no próprio âmbito do Direito, com reflexos sensíveis no terreno constitucional, civil e do consumidor.

Talvez o curto intervalo lúdico representado pelo Natal, atualmente em plena crise, possa surgir em campo diverso ao do religioso, inclusive determinando obrigações. Aguardemos os desdobramentos. Talvez 2010 seja o início desse tipo de solidariedade. Afinal, dele, em regra, só se aproveita o comércio de fogos de artifício.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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