Com o pé direito



Nós gaúchos temos mania de rivalidade. Federalistas e republicanos. Chimangos e maragatos. Colorados e gremistas. Cisão por vezes sadia, como no último caso, e, na maior parte das vezes, perniciosa nos demais, por conduzir divisões ideológicas a níveis de conflito capazes de prejudicar o adequado desenvolvimento do Estado nos seus mais diversos níveis.

Peculiar é que, apesar do ingresso efetivo do partido do Presidente da República na arena política, deixando de ser estilingue para se tornar vidraça – e para não ser estilhaçada, compondo acordos inimagináveis há alguns poucos anos atrás –, ainda assim permanecemos no imbecil joguinho de categorizar pessoas, posições, pensamentos na antiga dicotomia direita ou esquerda. Enquadramento esse que não admite qualquer tipo de relativização. Ou você é amigo, ou é inimigo. Não existe meio termo.

Ao seguir-se essa linha, inviabiliza-se qualquer forma de debate, e, por conseguinte, de construções razoáveis que podem dele surgir. Como se a vida estivesse limitada a questões de verdadeiro ou falso, qualquer opinião externada pode ser liquidada se algum ‘adversário’ de plantão resolver que ela está compatibilizada com o ‘lado inimigo’.

Se alguém eventualmente ousa afirmar que o MST é um movimento legítimo que comete excessos, corre o risco de ser queimado em praça pública. Curiosamente os idiotas de sempre estarão unidos com esse propósito. Os ‘direitistas’ fundamentando sua condenação no fato de ser de ‘esquerda’ o sujeito que elogia o Movimento, enquanto que os ‘esquerdistas’, afirmando que o cidadão é de ‘direita’ por ter cogitado de eventuais excessos. Perde-se, desse modo, a possibilidade de analisar determinadas realidades com o máximo de imparcialidade para a propositura de soluções que visem o bem da coletividade.

Essa forma de radicalização tem impresso, indelevelmente, suas marcas na realidade do Direito Penal. Se o sujeito se manifesta pela proporcionalidade das penas ou pela forma mais humanitária possível de seu cumprimento é logo taxado de irresponsável e partidário da impunidade. Por outro lado, se preconiza penas adequadas a ações socialmente perniciosas – mas não correspondentes às condutas criminosas clássicas como o homicídio ou o furto – é logo classificado como um bárbaro adepto da crueldade e do irracionalismo. Deve, portanto, violentar-se para acreditar que o mundo não se transformou e com ele a forma e o conteúdo das relações sociais.

Claro que essa radicalização não é uma especificidade gaúcha. Essa aguda oposição entre os discursos ‘punitivos’ e ‘garantistas’ está presente em praticamente todo o território nacional, embora, por estes pagos, com bem mais vigor. Por isso não é demais insistir na tecla: estamos jogando fora a possibilidade de engendrar soluções mais razoáveis ao adequado tratamento da criminalidade.

Quiçá em 2010 pudéssemos sonhar com mais composição e menos radicalização. Em todos os campos. Mas infelizmente apenas trocamos o calendário. Os problemas e as contas permanecem. Mas como anunciava um belíssimo samba enredo carioca do início dos anos noventa, “sonhar não custa nada”! E que venha o Carnaval.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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