Segurança insegura



Causou furor por estes pagos a declaração de um alto oficial da Brigada Militar acerca do seu sentimento de insegurança. Por trás de algumas outras considerações, estava lá escondida a filosofia do “nós prendemos e eles soltam”.

Das duas uma. Ou o oficial foi mal interpretado em suas declarações ou não entende absolutamente nada de segurança pública, neste termo compreendido um complexo de ações, políticas, instituições e sistemas. Prefiro ficar com a primeira opção, afinal se alguém soltou é por que a prisão não se conforma às exigências do Direito. Direito este que não é perfumaria. Observara as exigências do Direito é pressuposto de consolidação do Estado Democrático. Ou é algo para ser levado a sério ou é retórica vazia que sustenta, perante o desavisado público, qualquer arbitrariedade.

Pois dentro desse Estado Democrático de Direito, prisões se realizam balizadas por regras e princípios legais e constitucionais e não em conformidade ao que entenda adequado determinado segmento ou autoridade pública. A legislação que esteia as prisões é repleta de vazios, incongruências e mesmo flagrantes injustiças, e essas imperfeições devem ser sanadas pelos juízes. Enquanto não dispormos de um sistema legal coerente, assim o será. E por sistema legal coerente, por exemplo, deve ser entendido aquele que exige das organizações policiais tanto a prisão dos ladrões de galinha quanto a dos criminosos do colarinho branco. Ou o oficial esqueceu que as corporações que prendem os primeiros são as mesmas que defendem arrudas e similares, mediante cacetada e violência, de perigosos estudantes que protestam contra a impunidade dos últimos.

Também não adianta prender por prender. Se a prisão, enquanto medida última, de fato se mostrar imprescindível, a investigação policial, pela colheita de provas, deve demonstrar a sua necessidade. A palavra policial atualmente é insuficiente para embasar prisões não por algum tipo de injustificada antipatia, mas por que mesmo depois de encerrada a ditadura de estado alguns agentes continuaram usando e abusando da tortura.

Se o oficial não conhece essa realidade, recomendável que permanecesse calado. Ou que pelo menos se limitasse a declarações relacionadas às defasagens que impedem atuações mais precisas e técnicas da instituição a qual pertence.

Algumas podem ser citadas, a título exemplificativo, como a baixa remuneração – absolutamente incompatível com a importância da atividade policial –, ausência de aparelhamento (armamento, munição, viaturas, etc.) e de adequado preparo técnico no enfrentamento de situações diversas – o que inclui conhecimento mais aprofundado do sistema penal –, o aprimoramento das relações entre as polícias civil e militar, maior diálogo com outras instituições envolvidas com a segurança pública.

De qualquer forma, embora equivocado o discurso, serviu para desencadear discussões a respeito da segurança pública. Espera-se que sejam profícuas. E talvez já se comece acertando pela desmistificação de que o problema da segurança só se resolve com prisão.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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