Gol contra



O ex-jogador e atual treinador da seleção brasileira de futebol, o gaúcho Dunga, sempre foi citado como um exemplo de cidadão público. Sempre com acerto, é preciso dizer. O que não impeditivo algum eventual escorregão.

Após a derrota na Copa de 1990, Dunga foi escolhido como símbolo do fracasso. Muitos denominaram o período de ‘Era Dunga’, com o propósito de depreciar o futebol combativo do jogador. O que fez o atleta? Calou-se. Calou-se para retornar em 1994, e em silêncio comandar o grupo que conquistou o título mundial. Na competição seguinte, ainda capitão e líder, apenas não conquistou o título por que a seleção francesa era um forte oponente e enfrentou os brasileiros abalados com o problema de saúde apresentado pelo jogador Ronaldo, horas antes da partida decisiva.

Depois de um novo fracasso retumbante da seleção em 2006, com o qual Dunga nada teve a ver, eis que é novamente convocado para, com sua liderança, colocar ordem na casa. E escolhido técnico da seleção sofreu nova carga crítica. E no universo de considerações desalentadoras, fossem elas justificáveis ou não, o que fez Dunga? Novamente calou-se. Calou-se e começou a fazer o que melhor faz, trabalhar e liderar. O que aconteceu? Está aí a seleção sendo considerada uma das favoritas à conquista da Copa que sucede este ano.

Sem dúvida, Dunga é um exemplo. Mas não deixa de ser, por isso, um ser humano, suscetível, ao longo da vida, a erros e acertos. E ao longo de tantos acertos, Dunga errou. Ao se apresentar como garoto propaganda de uma companhia cervejeira, decepcionou. Decepcionou por que Dunga é modelo para milhares de jovens e crianças. Jovens e crianças em processo de formação psíquica que se inspiram nos seus ídolos. Liderança e persistência são qualidades que Dunga sempre inspirou em quem quer que fosse. Porém, ao promover uma bebida alcoólica, mesmo sem querer, Dunga transmite, em especial às crianças e aos adolescentes, a idéia de que o álcool não faz tão mau assim.

Podemos então trabalhar com a seguinte hipótese: não cultivamos a mentalidade preventiva. São imensos os gastos em saúde pública visando o tratamento do alcoolismo, isso sem mencionar despesas indiretamente relacionadas ao abuso, como aquelas com as vítimas de acidentes causados por motoristas embriagados.

Muitos simplesmente pensam que a propaganda é problema única e exclusivamente do Dunga, e que os problemas relacionados ao álcool devem ser resolvidos pelo estado; o Sistema Único de Saúde – SUS que se vire, e o motorista bebum que vá em cana. É impossível dimensionar quantos jovens passarão a beber álcool em virtude da propaganda, mas é inequívoco afirmar que muitos não se iniciariam ou deixariam de beber se na propaganda aparecesse o Dunga esclarecendo sobre os males do alcoolismo.

Oxalá crianças e adolescentes tenham de alguma maneira a lucidez necessária para avaliar que o Dunga se equivocou. Certamente, ao longo de sua vitoriosa carreira, não marcou um gol contra tão feio quanto à participação nesse comercial. Mas, em se tratando do Dunga, é possível que, já sabedor do vacilo, esteja trabalhando para reverter o placar.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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