A sagacidade do presidente



Há gente aos borbotões pensando que o Presidente Lula é pouco inteligente, que mal sabe falar e que se manifesta publicamente sobre assuntos que não domina. Conclusões extraídas de alguns de seus discursos, especialmente os de improviso. Mas não é arriscado afirmar que são incorretas.

Abstraída qualquer ideologia, convenhamos, Lula é inteligentíssimo. A ciência trabalha com vários tipos de inteligência, não se restringindo ela aos que frequentam com sucesso o ensino formal. E Lula é inteligente naquilo escolheu por profissão, a política. Saiu de condições sociais bastante precárias para se tornar Presidente da República. Não é pouco. Então, será que Lula fala errado por que não sabe falar corretamente ou por que não quer falar corretamente? Pois do jeito que fala parece que busca identificação com aquela imensa maioria de brasileiros que não aprendeu a falar acertadamente. Consegue se comunicar com aqueles não acessados pela empáfia dos discursos pernósticos.

E será que Lula não discursa de improviso exatamente para permanecer na mídia? Esta ri de forma petulante das desmesuradas afirmações do Presidente, enquanto este ri da repercussão que a mídia lhe oferece. Não há como deixar de reconhecer que essa franca exposição tem até permitido ao Presidente transferir intenções de voto inicialmente dirigidas a si em favor daquela que escolheu para suceder-lhe.

Por isso creio que a afirmação de Lula de que os criminosos políticos não se diferem dos criminosos comuns tem algo por trás que ainda não foi corretamente dimensionado. É óbvio que Lula sabe a diferença entre um e outro. Tanto que sofreu restrições exatamente por conta de sua atuação política.

É muito diferente uma prática com a finalidade de enfrentamento real de dada situação política com a prática baseada em suposta oposição real. Lula lutava contra um governo de exceção. Enfrentou situação real de oposição política. Enfrentamento esse similar ao daqueles que se opõem ao regime castrista em Cuba. Contra um governo antidemocrático, pessoas expõem suas inconformidades políticas e em razão disso são punidas. Aqui há de fato crime político, por mais difusa que se mostre essa definição. O que pode ser penalizado por conta desse conteúdo político autoriza uma discussão pertinente, posto que é muito diferente o sujeito manifestar-se publicamente contra um regime – e assim estar cometendo um crime conforme a legislação que escora esse regime – da ação do sujeito que explode um ônibus escolar por que não se conforma com esse mesmo regime. Parece sequer tangenciar o conceito de crime político a ação do sujeito condenado por assassinato de pessoas que nada têm a ver com determinado regime, muito em especial quando este governo permite manifestações de opinião sem restringi-las. Nesta situação podemos citar o caso de Cesare Battisti.

Lula, então, pode ter dado um passo importante para findar uma contradição de argumentos. Com sua afirmação não constrange seus companheiros cubanos pelas medidas punitivas – claramente injustas, é preciso salientar – que impuseram àqueles que se manifestaram contra o companheirismo oficial, ao mesmo tempo em que sinaliza em favor da extradição de Cesare Battisti. Ora, se para Lula crime político não difere do comum, Battisti deve ser entregue aos italianos.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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