NEGLIGÊNCIA E PODER PÚBLICO



O leitor conhece Leonardo da Silva Delgado? Provavelmente não. Não se trata de nenhum candidato as próximas eleições ou de um dos heróis do Pedro Bial, participante do Big Brother Brasil. Leonardo é como eu e você, leitor. Um anônimo para o público. Mas mesmo anônimo, um cidadão. E enquanto cidadão, sujeito de direitos e deveres. Pelo menos em teoria.

Leonardo, motoboy, perdeu o controle da sua motocicleta e, em consequência, também sua vida. Derrapou numa conhecida avenida porto-alegrense, nas britas espalhadas na via pública em razão de uma obra. Ao que tudo indica, o serviço não foi bem feito. Perdeu sua vida pelo descaso do poder público. Assim como tantos outros motoristas. O que torna o caso de Leonardo bastante comum. Todas as iniciativas relacionadas à prevenção no trânsito são elogiáveis. Ainda assim, os espertalhões não deixam de utilizá-las com o fim de se livrar das suas responsabilidades. Vias públicas em péssimo estado de conservação são mascaradas pela possível imprudência do motorista. Vamos investigar! Investiga-se e depois de um tempo se vê que a causa do acidente foi o estado ruim da estrada. Mas até lá o espertalhão já angariou algum outro carguinho público, onde continua aprontando das suas. E se indenização houve, em benefício da vitima ou de seus familiares, é ela colocada na conta da Viúva.

Mas, como dito, casos como o de Leonardo são comuns. Tornaram-se rotina. Já não nos causam surpresa e indignação. Pelo menos até o momento em que alguém que nos é próximo seja vitimado. Mas e o caso de Valtair Jardim de Oliveira? Prezado leitor, você agora deve ter ouvido falar nele. Pelo menos depois do inusitado ocorrido, exemplo do alarmante descaso do poder público. Já não são mais apenas as estradas imprestáveis, as paradas de ônibus agora dão descargas elétricas mortais.

O fato em si é censurável. Mas, convenhamos, é um acidente. Em qualquer lugar do mundo poderia ter ocorrido, mesmo naqueles países em que os agentes têm consciência de que o poder é público, e não objeto de apropriação de alguns poucos. A diferença nossa são as circunstâncias em que o caso sucedeu. Vejamos. Diversas pessoas haviam sido vitimadas, embora sem a gravidade de Valtair, e os órgãos responsáveis foram comunicados. O que foi feito? Vistorias que identificaram o problema, mas não a causa. E ficou tudo por isso mesmo! E o que é mais vergonhoso, depois da tragédia, é o jogo de empurra quanto à responsabilização. Não é descaso do poder público?

Parece coisa de mau agouro, mas vamos lá. São perfeitamente identificáveis nesta Capital as áreas de risco habitadas por inúmeras pessoas. Portanto, já estão sendo adotadas providências para que se evite tragédias como as recentemente ocorridas no Rio de Janeiro? Ou primeiro vai se deixar acontecer para depois um alegar que a culpa é do Estado, outro que é da Prefeitura, outro que é do bispo, outro que é do Badanha, etc?

Quanto tempo nossa sociedade ainda vai demorar para aprender com os casos do Valtair e do Leonardo? Nada de útil tem a nos passar os heróis do Pedro Bial, enquanto os candidatos de plantão prometem que se eleitos tudo será resolvido. E perseguimos com nossas crônicas de mortes anunciadas.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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