Aprendizagem social



Temos a mania de acreditar que tudo se resolve pelo Direito. Ou pelo menos alguns tentam nos fazer acreditar nisso. Não raro, frente a estatísticas que apontam o crescimento da criminalidade, vem alguém disposto a propor pena de morte, maior severidade punitiva ou criação de novos tipos penais.

No entanto, por vezes a sociedade aprende por si própria. Ela mesma tratando de expandir os exemplos colhidos aqui e acolá. Sem necessidade de intervenção do Direito. Isso se chama conscientização social. Creio que um fato ocorrido nas semanas anteriores exemplifique o que pretendo transmitir. Numa determinada partida de futebol, durante a Copa do Brasil, um jogador chamou outro de 'macaco'. E são fortes os indícios da sua intenção ofensiva, pelo racismo contido na mensagem.

As autoridades então foram convocadas a resolver o problema. Ou pelo menos tentar, utilizando os instrumentos jurídicos disponíveis. Ouviu-se o ofensor, o ofendido e testemunhas. Instrui-se o inquérito policial para remetê-lo ao Ministério Público para que este, entendendo cabível, desencadeie a ação penal. A responsabilidade pelo julgamento é do Poder Judiciário, que pode condenar ou absolver o ofensor. Isso depois de das diversas instâncias judiciais e inúmeros recursos. Qual a aprendizagem a extrair disso? Praticamente nenhuma.

O que amplos setores do Direito Penal preconizam é que a publicidade da sanção, a par de conscientizar o ofensor do seu erro, tem função instrutiva na sociedade, agindo como potencial impeditivo de práticas como aquela que restou punida. Mas ultimamente, pelo menos no Brasil, esse paradigma não tem apresentado grande eficácia.

Tudo passa necessariamente pela conscientização social. Pois a censura pública pelo acontecido se transfigurou incrivelmente no manifesto dos torcedores do clube do jogador ofendido que, no jogo de volta, pintaram metade de seus rostos de preto, expressando seu repúdio pela expressão racista utilizada pelo ofensor. Não pretendo com isso afirmar que o Direito Penal é dispensável. Apenas que ele, não podendo ser um fim em si mesmo, é indispensável somente em situações bastante graves. Também não quero afirmar que o racismo não seja algo grave. Ele é inaceitável, para dizer o mínimo. Mas talvez os instrumentos de combate ao racismo não passem necessariamente pelo Direito Penal. A impressão que apreendemos da realidade alemã é que as gerações atuais têm vergonha do passado nazista da nação. E esse sentimento parece estar nelas impregnado mais pelo esclarecimento de todos os males decorrentes do nazismo do que pelos julgamentos de Nuremberg.

Aprendemos muito mais com os torcedores caras-pintadas do que com uma eventual decisão condenatória. Esses torcedores mostraram que não estão dispostos a aceitar o racismo. Oxalá esse sentimento contamine a sociedade por inteiro. Uma lição social, sem necessidade de golpes de sentença.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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