Decisões importantes (I)



A semana que passou foi pródiga em decisões judiciais relevantes. E não estou me referindo àquela que trata da liberação da patente do Viagra – cujo uso, pelo menos por ora, não me é necessário –, mas sim àquelas referentes à possibilidade de adoção por casal homossexual, à ausência do dever de indenizar os fumantes e à constitucionalidade da Lei de Anistia.

Cada pessoa tem suas convicções a respeito das matérias aludidas. A maior parte delas plenamente respeitáveis. E nem todas concordantes com as posições adotadas pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, nos dois primeiros casos, e pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no último. Significa então que as opiniões divergentes do entendimento que prevaleceu nesses julgados são incorretas? Não necessariamente. Veja-se que, por exemplo, na decisão do STF, dois ministros divergiram da orientação prevalecente. E se todos são juízes, portanto presumivelmente preparados a proferir decisões jurídicas, como é que divergem? Afinal o direito não tem respostas únicas, baseadas apenas na lei.

Esse é um entendimento corrente, porém, sem dúvida alguma, apartado da realidade. O direito não se confunde com a lei. A lei é apenas uma das fontes do direito. A partir dos textos jurídicos estampados nas leis, princípios, súmulas de tribunais, julgados anteriores, trabalhos doutrinários, é que os juízes constroem as soluções para os casos que lhe são dados a decidir. Todos esses textos são passíveis de interpretação. E no ato de interpretar, não apenas os juízes, mas quaisquer pessoas, podem, de acordo com suas respectivas formações culturais, sociais, emocionais e morais chegarem a respostas completamente diferentes, além de permanecerem quase sempre sujeitos aos contextos da interpretação.

A doutrina, que se manifesta nos trabalhos jurídicos publicados, apresenta inúmeros exemplos de divergência interpretativa e de situações que evidenciam que o direito não se identifica com a lei. Sabemos todos que existe a proibição de circulação de veículos automotores pela Rua dos Andradas no centro de Porto Alegre. Mas o que são veículos automotores? Motocicletas são consideradas pelo Código Brasileiro de Trânsito como veículos. Estariam elas então proibidas de circular no local? E se o propósito é facilitar o tráfego de pedestres, uma carroça puxada por um cavalo, poderia transitar por ali? Vejam, não é veículo automotor. E uma ambulância ou carro de bombeiros? Ambos são veículos automotores, parece não haver dúvida, poderiam circular em casos de emergência médica ou incêndio?

Outro exemplo é bastante interessante, demonstrando que a diversidade de contextos pode apresentar soluções diversas. Imaginemos que estamos diante da seguinte expressão textual: é proibido usar roupa de banho. A vedação pode ser justificada em dois casos absolutamente distintos, como numa festa de gala ou numa praia de nudismo. Mas seria completamente sem sentido se estivéssemos na piscina de um clube ou em alguma praia do litoral gaúcho em pleno verão.

Assim, concordemos ou não com as decisões antes citadas – e quem acompanha os textos publicados neste espaço já deve ter intuído acertadamente que concordo com a primeira e discordo das demais – fato é que elas constituem o direito, sem que a priori estejamos autorizados a qualificá-las de certas ou erradas.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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