Decisões importantes (II)





DECISÕES IMPORTANTES (II)


O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA permite a adoção de criança ou adolescente por uma única pessoa, seja homem ou mulher. Não exige que seja realizada por casal. Subliminarmente a essa possibilidade encontram-se dois valores.

Primeiro são absolutamente prioritários os interesses da criança ou do adolescente, e, segundo, a tradicional concepção de família não é pressuposto para salvaguardar esses mesmos interesses. Qualquer processo de adoção precisa observar esses dois valores. Aquele deve ser encarado como determinação, enquanto o segundo, mero permissivo. Desinteressa se a criança ou o adolescente foi adotado por um casal convencional ou por uma pessoa única (e sua orientação sexual parece não estar em pauta), mas sim que em decorrência da adoção possa a criança ou adolescente se desenvolver, sob todos os aspectos, da maneira mais sadia possível. O desrespeito ao primeiro valor é que acarreta franca violação aos princípios do ECA.

Se do ECA é possível extrair esse segundo valor, não é absurdo concluirmos que a adoção possa ser realizada por casal de homossexuais. A exigência básica, como visto, é que seja estimulada a proteção integral da criança ou do adolescente. E tampouco há garantias de que a adoção por casal convencional ou pessoa solteira sempre assegurará essa exigência. Nessa linha de raciocínio, qualquer argumento contrário que tenha por base pura e simplesmente a impossibilidade de adoção por casal de homossexuais não encontra amparo legal e, sobretudo, se mostra preconceituoso.

A questão se torna delicada quando o argumento contrário à possibilidade de adoção por casal de homossexuais reside na preocupação de quem, considerando o inequívoco preconceito, reputa que esse mesmo preconceito atuará como fator impediente da proteção integral da criança ou do adolescente. Esse dado é relevante por não conter, pelo menos aparentemente, qualquer dose de preconceito com relação aos homossexuais. A preocupação aqui é exatamente com o preconceito que naturalmente alcançará o adotado, em prejuízo à proteção integral.

Esse argumento, no entanto, parte da admissão do nosso fracasso enquanto sociedade. Ele diz mais ou menos o seguinte: não importa se a adoção seja feita por casal de homossexuais, o problema está no preconceito, então é melhor deixar as coisas como estão. Ao final, porém, ele termina por admitir que, embora o preconceito não seja válido, ele não precisa ser combatido, que devemos permanecer convivendo com ele, e a ausência de determinação em demolir com o preconceito termina por se revelar propriamente como preconceito mesmo.

Assim, o que o Superior Tribunal de Justiça sinalizou - aliás, ratificando decisão da nossa sempre pioneira Justiça gaúcha - é que não apenas devem ser praticados aqueles dois valores inicialmente tratados. Também deixou claro que o preconceito, por inadmissível, deve ser tratado. Ninguém cogitou que a tarefa é fácil. Mas, por outro lado, também ninguém afirmou que seja ela impossível.

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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