Imagine



Imagine o leitor que não exista estado - ou se preferir, governos; qualquer deles, municipal, estadual ou federal. Feche os olhos e imagine. Imagine que a segurança pública, embora falha, não mais exista. Imagine que a saúde pública, com todos os seus problemas, também não mais exista. Imagine que as escolas públicas estejam todas fechadas. Imagine.

Não há limites para a imaginação, é certo. Mas se pretendemos raciocinar com o mínimo de seriedade e pés no chão, vamos constatar que nesse mundo imaginário, a ausência de um mínimo de segurança resultará na mais absoluta insegurança. Em barbárie mesmo, especialmente naqueles locais onde os mais fortes não estarão articulados para viver no interior de fortes inacessíveis. Nesse lugar, quem não possuir dinheiro para pagar pelo atendimento médico não o terá nem mesmo precariamente, logo, morrerá à míngua, sem um mínimo de assistência. Nesse mundo, quem não dispor de recursos financeiros para se educar, estará condenado à desinformação.

Pois é. Não precisa ser um gênio para prever o que acontecerá na ausência de estado. E o estado para existir precisa de dinheiro. E nas nações minimamente civilizadas a única forma de o estado angariar recursos é através da tributação. Assim, se alguém preconizar ao caro leitor que podemos viver sem tributos cobrados pelo estado, desconfie. Ou o sujeito está muito mal informado ou prevê ter condições de viver junto aos mais fortes financeiramente (aqueles que poderão dispor de segurança e acesso à saúde e à educação por conta própria). Aquele o leitor pode tentar abrir os olhos. Quanto a este, desista, pois o próprio umbigo é o seu único centro de preocupação. É o próprio umbigo que orienta suas opções políticas e ideológicas.

Se o leitor não está convencido, procure então examinar qual a carga tributária nos países ditos desenvolvidos. Inclusive naqueles considerados exemplos do liberalismo, Estados Unidos à frente. Um bom exemplo do falacioso discurso a respeito da tributação é que na era Bush Junior o governo norte-americano baixou a tributação dos endinheirados, sim. Mas por outro lado aumentou a da classe média. Bela política de distribuição! A qual, aliás, não resguardou o país das sucessivas crises econômicas mais recentes, fossem elas marolinhas ou big waves.

O problema, prezado leitor, é o destino dos tributos. O defeito não está na tributação, mas nos serviços prestados com o dinheiro arrecadado. É aqui, exatamente aqui, que reside um dos mais graves problemas do Brasil. Ao invés de reverter em favor da sociedade, o dinheiro arrecadado com os tributos, quando não desviado em quantia capaz de corar o mais sofisticado ladrão de galinhas, é mal empregado. Serve para sustentar uma máquina pública em boa parte obsoleta e francamente clientelista.

Ouso afirmar - e espero não receber vaias por isso - que evoluímos um pouco. Muito pouco, é verdade. Mas passados a nada engraçada e irresponsável aventura collorida e o lúdico intervalo da gestão Itamar Franco, desde então o estado tem dado sinais de que precisa mudar, e aqui ou acolá tem apresentado avanços. Mas com certeza é preciso mais, muito mais. Mas haveremos de convir que movimentar esse imenso paquiderme não é nada fácil.

Portanto, querido leitor, cabe reafirmar, desconfie do discurso choroso contra a tributação. Em nosso país, a destinação do dinheiro público é que se mostra equivocada. Mas você já pode exigir providências imediatas contra o desperdício. Sabe como? Tem eleições logo ali...

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERGS



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