Cortem a cabeça



Parece que a Rainha de Copas, personagem da obra ‘Alice no País das Maravilhas’ de Lewis Carroll, anda em campanha política aqui pelo Estado. Não se sabe se em proveito próprio ou alheio. Só pode. Pois afinal a que se deve o escarcéu sobre a redução dos vencimentos dos servidores públicos que recebem valores acima do teto?

Antes de mais nada, vamos separar alhos e bugalhos. Primeiro: nenhum agente público deve ganhar mais que o teto constitucional. Segundo: há muita gente comprometida com a aplicação das normas constitucionais, inclusive a do teto, e desinteressada em desempenho político. Mas nada disso condiz com a atual “caça às bruxas”. Mais um pouco e ressuscitam os caçadores de marajás.

A Constituição sadiamente inovou ao dispor que nenhum servidor público pode ganhar mais que os Ministros do Supremo Tribunal Federal. No entanto, durante muito tempo, por conta de uma interpretação, com o devido respeito aos que pensam diferente, incorreta, afirmava-se a necessidade de lei ordinária a disciplinar o comando constitucional. Pois bem, faz alguns anos, nasceu a lei. E afora aquele pessoal antes mencionado, muitos do que ora estão com o dedo em riste sequer se coçaram para viabilizar a aplicação prática da norma. Mas como estamos em época de eleições...

Significa então que devemos admitir que o teto seja ultrapassado por que não é oportuno falar no assunto? Não! De forma alguma! Sempre é oportuno discutir a aplicação da Constituição Federal. Mas daí a sugerir a vilania de quem recebe acima do teto é demais. Os que estão nessa situação é por que de alguma forma, em algum momento, foram beneficiados por regras que os permitiram agregar valores que hoje os colocam em desajuste com a Constituição.

Óbvio que há o princípio constitucional da moralidade que se sobrepõe a qualquer regrinha mucufa. Porém é preciso ver o outro lado. Há situações jurídicas consolidadas que precisam se adequar à determinação constitucional. Todavia isso não pode ocorrer de forma atabalhoada. Se de um lado a Constituição contempla o princípio da moralidade, de outro também assegura o ato jurídico perfeito.

Então como resolver? Deixar tudo como está? Não! Dispomos de cabeças pensantes suficientes que podem engendrar soluções que resguardem tanto a moralidade quanto o ato jurídico perfeito. Um exemplo, pensado no afogadilho da situação –ainda assim não de forma original – e, portanto, naturalmente sujeito a críticas: por que não estabelecer que os vencimentos que ultrapassem o teto deixem de ser reajustados até que alcançados pelo limite? O problema é que essa solução demora um pouco para corrigir a distorção. E nenhum oportunista poderá pousar de digno e fiel representante da moralidade pública.

Como exposta, a situação, dá a entender que submetido esse pessoal a rodo ao teto constitucional, todas as mazelas do serviço público estarão resolvidas, e a partir daí viveremos no país das maravilhas. Como se os problemas pudessem ser superados com poções mágicas.

Como floresce, em época de eleições, esse nosso poder de criação ficcional! Ah! Só para consignar. Eu estou longe do teto e sequer conheço alguém que o tenha ultrapassado. Pela minha opinião, deixem minha cabeça a salvo, por favor!

Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Diretor Cultural da AJUFERG



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