Por que o Brasil é o país da impunidade



A sonegação fiscal não é apenas crime. Caracteriza o descumprimento de um dever cívico dos cidadãos. Um ato de egoísmo daqueles que podem e devem pagar tributos, frente a todos os demais.

Mas infelizmente ela não é vista dessa forma no Brasil.

Apesar de o legislador prever a sonegação fiscal como crime, trata-a como mera sanção por inadimplemento, como instrumento de coerção para que os tributos sejam pagos ou parcelados. Isso ocorre mediante a criação de hipóteses de extinção da punibilidade (extinção da possibilidade de o crime ser punido) pelo pagamento ou parcelamento de tributos não declarados. O sonegador fica impune sempre que possa pagar o tributo e seus acessórios, mesmo que no bojo de parcelamentos generosos. É irrelevante que tenha utilizado documentos falsos, adulterado informações contábeis, retido e não repassado contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados: importa apenas que o tributo seja pago.

Isso caracteriza um nocivo privilégio aos criminosos de colarinho branco. E não tem por efeito um incremento na arrecadação. O seu efeito é o inverso: estimular a sonegação, mediante a certeza da impunidade. Mesmo que apurada e provada, ela não será punida, desde que o criminoso tenha condições financeiras de pagar o que deveria ter pago antes de ser flagrado pelo Fisco.

Por outro lado, muitos brasileiros veem a sonegação como uma prática socialmente aceita, “justificada” pela criminalidade de outros. Trata-se de um discurso muito difundido na sociedade, que não logra ocultar o cinismo dos que a ele recorrem: por que vou pagar tributos se os políticos desviam recursos públicos e não são punidos por isso?

Ocorre que, como todos sabem, eventuais desvios podem perturbar as políticas públicas, mas não as inviabilizam. Mesmo com inúmeros escândalos de corrupção, o Poder Público constrói e mantém estradas, preserva praças, presta serviços gratuitos de educação e saúde, investe na pesquisa acadêmica, julga conflitos entre cidadãos e chega até mesmo a implementar sistemas eficientes de combate à miséria, com a transferência de renda aos cidadãos mais pobres.

Isso todos sabem, mas não dizem. Não o fazem para poderem manter o seu discurso cínico e não terem de admitir o que realmente estão a pensar: se os outros roubam, por que eu também não posso?

A solução não é deixar de punir os sonegadores. Temos de puni-los exemplarmente. E também todos os políticos e servidores públicos que desviam recursos públicos, privilegiam interesses pessoais, trocam cargos por apoio político, empregam parentes incompetentes, enfim, usam e abusam da coisa pública, como se fosse sua. Afinal, não queremos uma nação de criminosos, mas de cidadãos comprometidos com a sua dignidade e a de todos os demais.

Mas a punição não basta, pois o Fisco não tem condições de fiscalizar todos os contribuintes. É necessário que todos nós o façamos. E, para tanto, é salutar sentirmos diretamente o efeito da nossa ação cívica: a redução da carga tributária.

É esse o espírito da sábia iniciativa que levou à criação do “Programa Nota Fiscal Paulista”, que devolve aos consumidores 30% do ICMS recolhido pelo estabelecimento vendedor. Até meados do ano passado, o governo de São Paulo já havia restituído aos cidadãos paulistas mais de R$ 1,5 bilhão em pecúnia, além dos prêmios distribuídos. E incrivelmente apurou um aumento de mais de 20% na arrecadação.

A iniciativa já foi seguida pelo Município de São Paulo, que criou a Nota Fiscal Eletrônica da Prefeitura de SP. E poderia ser adotada por todos os entes políticos, pois não há razão para deixar de premiar o cidadão que, além de cumprir com o seu dever cívico, contribui para reduzir a sonegação e incrementar a arrecadação tributária.

Assim talvez a mentalidade coletiva mude. E todos passemos a nos indagar: por que não ajudar a construir um Brasil melhor?



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