A bruxa do outro lado da rua



esconfie daquele restaurante pequeno e simpático, mas sempre às moscas, cujo proprietário reside numa mansão de doze suítes. Daquela empresa diminuta que subitamente recebe empréstimo milionário das ilhas Cayman. Da pequena lavanderia de bairro que nunca abre porque “o pessoal está sempre viajando”. Desconfie, porque seus donos talvez estejam envolvidos com lavagem de dinheiro. E com malvadezas piores.

Lavagem de dinheiro é a operação pela qual o dinheiro de origem ilícita é ocultado, investido e restituído na economia formal, de forma que passe a ter uma aparência de legalidade, como se fosse gerado a partir de uma atividade lícita. É um termo que provém da Chigago dos anos vinte, dos gângsteres soturnos e seus negócios escusos: reza a lenda que Al Capone teria comprado em 1928 uma cadeia de lavanderias, que lhe permitia fazer sistemáticos depósitos bancários de notas de baixo valor sem despertar suspeitas. O dinheiro, na verdade, era resultante do comércio de bebidas proibido pela Lei Seca e de outras atividades criminosas. Al Capone apresentava-se como o rei do colarinho imaculado, da limpeza e da alvura, mas sua riqueza provinha da exploração do tráfico, do contrabando e da extorsão.

Passados mais de oitenta anos, a prática continua em todo o mundo, sob novas roupagens. No Brasil é particularmente próspera no atual momento econômico, em que o crescimento do PIB fez nascer um rol enorme de oportunidades, para o bem e para o mal. Em que pese a legislação brasileira sancionar vários tipos de conduta com penas que variam de três a dez anos de reclusão, o que se tem observado é um crescimento vertiginoso de lavagem de recursos provenientes do tráfico e do contrabando. Às vezes, ela se dá através de negócios estabelecidos em aprazíveis bairros residenciais, tocado por pessoas de quem se compraria um carro usado.

E é preciso esta fachada de licitude para efetuar a transformação do dinheiro sujo, desonesto, em dinheiro limpo, honesto. Sempre será necessário proporcionar uma explicação aparentemente legítima para a abundância, explicar o festão para 800 convidados, o carro de quinhentos mil na garagem. Daí a razão pela qual é preciso inserir os fundos obtidos com contrabando, fraude ou tráfico na economia formal, é preciso mostrar-se como um empreendedor de sucesso, alguém que se fez por si mesmo.

A sociedade brasileira é complexa. Há a imensa maioria de cidadãos honestos, preocupados em trabalhar e produzir; existem aqueles que se dedicam ao crime pesado, em todas as suas matizes; e há também aqueles que flertam com a ilicitude, sempre disponíveis para serem arregimentados pelos fazedores de dinheiro sujo, seja por um vintém, seja por um milhão.

Nós, cidadãos que vivemos desta lado da rua, nos preocupamos com o que lemos na imprensa sobre os esqueletos nos armários de Brasília, sobre os fantasmas que vaporizam dinheiro público, mas ficamos indiferentes à bruxa que amaldiçoa e enfeitiça. Ela não vai colocar nossos filhos em uma jaula para engorda, como a terrível personagem do conto “João e Maria”, mas pode ser a fachada para um milionário esquema de tráfico com potencial para encarcerá-los numa jaula ainda mais cruel do que aquela mantida pela bruxa malvada.

Se você desconfia, se o seu vizinho desconfia, se todos na rua desconfiam, denuncie. Você pode guardar o anonimato. Você pode resguardar a sua família.

* juiz federal, diretor cultural da Ajufergs



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