A igualdade que desiguala (II)



Comenta-se que juiz não perde seu cargo, mesmo que tenha cometido algum crime. Exemplo de inverdade que, de tanto repetida, termina por virar consenso. Recentemente o Conselho Nacional de Justiça – CNJ aposentou um Ministro do Superior Tribunal de Justiça e um Desembargador Federal do Rio de Janeiro sob o argumento de que não detinham mais condições de exercerem seus cargos na magistratura por estarem respondendo a ações penais.
Os que não têm a exata compreensão do sistema judicial se apressaram em afirmar que os juízes, ao invés de irem para a cadeia como qualquer cidadão comum, recebem o prêmio da aposentadoria remunerada. Pois devagar com o andor que o santo é de barro. Não é nada disso.
A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado antes de transitar em julgado a decisão condenatória – e até o momento em que este artigo é escrito parece não ter havido nenhuma ressalva com relação aos juízes. Sem apreciar se aqueles magistrados no início referidos são realmente culpados, mesmo por que isso compete à autoridade judiciária competente, fato é que não foram condenados pela instância julgadora. Ora, se não foram julgados, não podem sofrer as conseqüências penais dos crimes que lhes são imputados. E uma dessas conseqüências pode ser exatamente a perda do cargo ou função pública. Assim o é não apenas com relação aos juízes, mas com qualquer cidadão.
O que sucedeu é que o CNJ, mesmo sem a condenação definitiva, decidiu por aplicar uma sanção administrativa, sendo a mais grave o afastamento do cargo pela imposição de aposentadoria. E por que a aposentadoria? Por que é esta a forma de assegurar a vitaliciedade. Invertamos o raciocínio e imaginemos que um juiz, de conduta irrepreensível, condene um político do alto escalão por improbidade administrativa. Não houvesse a garantia da vitaliciedade, reflexamente assegurada pela aposentadoria compulsória como medida administrativa mais gravosa, esse político poderia, por mera vingança, utilizar suas influências para desencadear e interferir no julgamento administrativo que determinasse o afastamento desse juiz do cargo. Se assim fosse, que tipo de independência se poderia exigir do juiz?
Portanto, a vitaliciedade não deve ser encarada como privilégio do juiz, mas como medida que assegura a sanidade do próprio sistema judicial. Pudesse o juiz ser alijado do cargo por qualquer razão, de Judiciário independente não estaríamos tratando, mas de juízes dispostos a conceder favores em troca da permanência no cargo. Além disso, a vitaliciedade não é construção brasileira, mas ferramenta importada dos mais prestigiados sistemas judiciais do mundo.
Aguardemos, portanto, o julgamento das ações penais. Se o encaminhamento for condenação por pena privativa de liberdade igual ou superior a um ano, como as acusações se referem a fatos praticados com violação do dever funcional, inevitavelmente aqueles magistrados perderão seus cargos e terão cassadas as aposentadorias. É previsão do Código Penal (art. 92, inciso I) que vale para todo mundo.


Gerson Godinho da Costa
Juiz Federal
Vice-Presidente Cultural e da ESMAFE



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