AS INSTITUIÇÕES ESTÃO FUNCIONANDO!



Nepotismo, tráfico de influência e corrupção: não há novidade nos ingredientes do mais novo escândalo envolvendo o Governo. O roteiro também é mais ou menos o mesmo de tantos outros casos semelhantes a que temos assistido nos últimos anos: diz-se ter o maior interesse na mais rigorosa apuração dos fatos, que a Polícia Federal vai ser colocada para investigar o caso e que, caso haja culpados, eles serão severamente punidos, no melhor estilo duela a quien duela. Também faz parte desse script afirmar,tão-logo instaurada investigação, que “as instituições estão funcionando!”.
Porém diante do histórico recente da nossa República, em que simplesmente não se tem notícia de que algum envolvido em corrupção, desvio de verbas ou qualquer outra sorte de rapinagem sobre o dinheiro público tenha sido punido, dá mesmo para acreditar nisso?
Por óbvio não cabe aqui tecer qualquer consideração quanto à culpa de quem quer que seja nos fatos recentemente revelados. No entanto não há como negar a sensação de que, mesmo que tenha havido algum crime, não haverá qualquer espécie de punição aos porventura envolvidos.Nos casos mais recentes pode-se dizer que ainda não houve tempo suficiente para a devida apuração e julgamento dos fatos e que sempre pesa em favor dos suspeitos a presunção de inocência. Mas e naqueles já tão antigos que precisamos fazer um esforço de memória para lembrar dos nomes de seus protagonistas, e onde dentro de qualquer critério de tempo razoável já deveriam ter sido apuradas as respectivas responsabilidades e devidamente punidos os culpados? Você, caro leitor, lembra de algum caso onde alguém tenha ressarcido aos cofres públicos o dinheiro do qual se apropriou de forma indevida? Ou de alguém que tenha passado uma temporada na cadeia cumprindo pena por envolvimento nesse tipo de crime? Ah, é bom lembrar que para isso não contam aqueles dias que o pessoal fica preso depois das operações da PF (bem poucos, diga-se de passagem)... Talvez fossem todos eles inocentes, não é mesmo? Mas se não for esse o caso, por certo algo há de errado nos mecanismos de controle dos desvios cometidos por agentes do Estado, especialmente daqueles que ocupam os escalões mais altos do poder.
Clientelismo, uso da máquina estatal para fins privados e partidários, assim como outras mazelas da vida política brasileira não são, por certo, invenção deste Governo: nossa história registra uma longa tradição nesse tipo de prática. Particularmente também não tenho qualquer ilusão de que caso estivesse a oposição no poder algo seria substancialmente diferente. Porém tanto isso quanto o fato de haver amplo apoio popular ao atual Governo não podem levar a que se aceite como natural a instrumentalização do Estado em benefício de determinado grupo político, qualquer que seja sua matriz ideológica.
Parece elementar que dentro de um Estado com caráter republicano quem se locupleta com recursos públicos ou faz uso de seu cargo para obter vantagens pessoais deveria sofrer algum tipo de punição. A certeza de impunidade é o maior estímulo ao crime, já dizia um velho penalista italiano. Para aqueles predispostos a colocarem a coisa pública a serviço de seus interesses privados somente o risco de punição pode servir de meio de dissuasão. Ficar exposto de forma negativa na mídia e ter de ficar no ostracismo – em geral por um tempo bem curto, do que são exemplos alguns dos mais proeminentes políticos do país – parecem não ser suficientes para coibir tais práticas. Tudo isso é por demais óbvio, mas parece esquecido ou convenientemente ignorado pelos responsáveis pela formulação das grandes decisões na nossa República.
Se os desvios se tornam cada vez mais graves é pelo simples fato de que não há uma resposta institucional adequada. Contando os envolvidos com a certeza de que nada lhes acontecerá, abre-se uma verdadeira auto-pista para desvios de toda a ordem, que vão desde quebras indevidas de sigilo dos cidadãos até a mais pura e simples corrupção. Se os desvios se tornam cada vez mais graves é pelo simples fato de que não há uma resposta institucional adequada. É preciso que a sociedade brasileira passe a discutir, com urgência e seriedade, quais os mecanismos necessários para por um basta à apropriação do Estado por grupos partidários e interesses privados. Somente então poderemos afirmar – sem cinismo ou ressalvas – que as instituições estão funcionando como deveriam.


Gueverson Farias
Juiz Federal



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