Quosque tandem?



"Até quando [quosque tandem], Catilina, abusarás de nossa paciência?" Com essa frase Cícero abriu um dos discursos proferidos contra o Catilina, figura que entrou para a história como um dos políticos mais pilantras da Roma Antiga.

O julgamento do STF a respeito da chamada Lei da Ficha Limpa lança a dúvida: até quando seremos obrigados a suportar a eleição de políticos corruptos? Até quando teremos de assistir nossos Catilinas dando as cartas da política nacional, fazendo as leis que seremos obrigados a cumprir e a guardando (!?) as chaves dos cofres públicos? Até quando?

Embora nesta semana pela primeira vez em sua história o STF tenha condenado um deputado federal à prisão, a regra ainda é de que a eleição para uma vaga de deputado ou senador traz consigo certeza de impunidade. Parece ainda cedo para comemorarmos o começo de uma nova era, embora haja esperança de que tal decisão represente uma quebra de paradigma.

Por outro lado, as esperanças depositadas na chamada Lei da Ficha Limpa para melhoria dos costumes políticos brasileiros acabaram recebendo um banho de água fria com a decisão (ou não-decisão) do Supremo - ou não-decisão, se assim preferirem. No julgamento, dois aspectos chamam a atenção.

O primeiro é que a possibilidade de um empate nos votos era absolutamente previsível. Apesar disso a Corte não tinha um "plano de contingenciamento" para esse caso, o que levou a sessão de julgamento a um final de certo modo constrangedor, onde, em vez de uma decisão, chegou-se a um impasse. Além de negativo para a segurança jurídica das próximas eleições, tal impasse poderá ter reflexos sobre a nomeação do próximo Ministro do STF, adicionando um componente político ainda maior à tal escolha.

Também interessante foi o argumento usado por um dos Ministros que votou contra a lei: o STF não se submete, em suas decisões, à vontade do povo. É certo que a Suprema Corte deve decidir de forma independente e que sua função é por natureza anti-majoritária, na medida em que lhe cabe derrubar leis aprovadas por uma maioria parlamentar, que, ao menos em princípio, deveria ser o reflexo de uma maioria popular. Tampouco parece ter sido colocada em qualquer momento em dúvida a possibilidade de que o STF viesse a julgar a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa porque se tratava de lei de iniciativa popular.

Porém parece necessário que uma Corte Constitucional tenha um mínimo de abertura para os argumentos trazidos à discussão pública a respeito das questões sobre as quais terá de decidir. É o que nas palavras de um autor alemão bem conhecido desse Ministro, da chamada "sociedade aberta dos intérpretes da Constituição", onde o debate sobre as questões de caráter constitucional não se limita a um estreito círculo de sábios, mas deve necessariamente envolver toda a sociedade.

É importante frisar que não se trata de esperar que os Ministros se curvem à opinião da maioria, opinião essa que na maioria das vezes sequer pode ser apreendida. Trata-se, porém, de esperar que se ouça com seriedade a voz da sociedade, de onde, acredito esteja escrito em algum lugar da Constituição, provém o poder também deles.

Gueverson Farias
Juiz Federal



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