Antagonismo e clivagem: até quando?



Passados cento e quinze anos do final da revolução federalista, ainda pouco se fala da guerra civil que enlutou os gaúchos. Não é para menos, a revolta de 1893-1895 produziu de oito a dez mil mortos, mortandade proporcionalmente muito maior do que a da Revolução Francesa, considerando a população do Rio Grande do Sul em fins do século XIX, cerca de um milhão de habitantes. Trocou-se a sofisticação sinistra da guilhotina pela degola sistemática dos vencidos, mas o inventário de horrores vai mais além: há relatos de esquartejamentos, fuzilamentos e violações de toda a ordem, sem contar o testemunho de uma prática abominada desde os tempos em que Antígona era ainda um sopro de imaginação na mente de Sófocles - a proibição de sepultamento dos mortos.

Assim como foi para os franceses o assunto “colaboracionismo” durante a ocupação nazista, o tema da revolução ainda se revela para os gaúchos espinhoso e difícil, mesmo para os olhares pós-modernos do século XXI. Mês passado, fez aniversário um dos seus episódios mais controversos, a matança do Rio Negro. Perpetrada pelos revoltosos contra os castilhistas em fins de novembro de 1893, o massacre notabilizou o uruguaio Adão Latorre, a quem foram atribuídas dezenas de degolas. A resposta veio à galope: menos de seis meses depois, partidários de Júlio de Castilhos da região de Palmeira das Missões conseguiram cercar uma tropa rebelde acampada na localidade de Boi Preto. Depois de um baile, com gaita, trago e churrasco, os federalistas teriam se entregado mediante garantia de vida. Foram amarrados e postos em marcha. No caminho, os chefes foram mandando degolar. Dos trezentos e setenta prisioneiros, não sobrou nenhum.

Adão Latorre, que contava com 58 anos em 1893, escapou com vida daquela guerra. Morreria três décadas depois, quase nonagenário, ao tombar do cavalo combatendo os chimangos na revolução de 1923. Sobre o sangue que enegreceu o pampa em Rio Negro e Boi Preto há ainda um silêncio eloqüente, mas a trégua obtida na revolução que se seguiu - em que Adão encontrou o seu destino - conciliou os gaúchos em torno de um objetivo comum, propiciando que um filho da terra assumisse o governo central: Getúlio Dornelles Vargas.

Passados tantos anos, o que se vê? O Rio Grande ainda separado por ideologias antípodas e projetos políticos conflitantes. Gaúcho, não se sabe ainda bem o motivo, gosta de controvérsia, de polêmica, de clivagem. Tanto sangue vertido nestas veredas da história, e a verdade mais elementar ainda se perde em meio ao alvoroço das disputas diuturnas: o Rio Grande só é grande quando há um projeto comum a catalisar nossas energias. Divididos, perdemos poder político (há quanto tempo não fazemos um presidente? Um ministro decisivo?), econômico (nosso PIB despenca em comparação com outros estados) e até mesmo cultural (nossas peças, livros e filmes ainda são apreciados pelo resto do país, em comparação ao passado? ) Divididos, somos guerreiros desmontados, desarmados e prontos para a degola.

Mas aí vem 2011. E ano novo é sempre uma esperança que se renova, de uma união que possa nos tirar do antagonismo paralisante para nos recolocar, novamente, em uma posição de protagonistas na construção de um país mais justo.



Marcel Citro de Azevedo
Diretor Cultural da AJUFERGS



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